Matéria publicada em O Estado de São Paulo – Caderno 2
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – Set 2002
Cenógrafos Debatem a Produção Para Crianças
J.C. Serroni e Duda Arruk comentam seu ofício na série ‘Panamco no Teatro’
Convidado especial da série Encontros – Panamco no Teatro, que neste mês tratou especificamente do tema “cenografia no teatro infantil”, terça-feira no Café Aprendiz, da Vila Madalena, o premiado cenógrafo J. C. Serroni, que já chega aos 25 anos de carreira, com 30 espetáculos infantis no currículo, declarou:
“Cada espetáculo continua sendo uma batalha, exatamente com as mesmas dificuldades de 25 anos atrás. O muro de lamentações é o mesmo, a classe teatral não se une, o preconceito da sociedade emperra as produções, muitos diretores ainda são verdadeiros ditadores que sufocam a criação dos cenógrafos e assim por diante. Até quando isso vai continuar? Vale a pena continuar nesse masoquismo? É válido o artista se apoiar apenas em seu idealismo e não fazer concessões? Eu não gostaria de ter de parar e de perder a esperança, mas preciso me recolher um pouco para refletir, tentar entender todo esse processo interminável que faz o teatro, mais ainda o teatro infantil, viver eternamente nesse estágio de passar o pires.”
Outra palestrante do debate de terça-feira foi a também premiada Duda Arruk, que atuou muito tempo como assistente de Felipe Crescenti, desenvolveu trabalhos no Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) do SESC, ao lado do próprio Serroni, e recentemente assinou a cenografia de ótimos espetáculos infantis em São Paulo, como Ladrão de Frutas, Pirata na Linha e Motorboy. Para Duda, uma séria questão relacionada a seu ofício é o equívoco de ainda relacionar-se boas cenografias com produções ricas. “É preciso quebrar esse estigma de que o cenário é bonito quando tem muito dinheiro por trás, embora eu não faça apologia do teatro miserável”, disse ela. “Há um desafio de buscar criatividade ao se trabalhar sem recursos e a função do cenógrafo, hoje, é muito ligada a isso. Cada um tem de saber tirar o melhor proveito possível das condições disponíveis.”
Com relação à liberdade de criação do cenógrafo, Duda Arruk declarou:
“Comparo com um ilustrador de livro infantil. A meu ver, o autor do texto e o das ilustrações têm o mesmo peso na literatura. O ilustrador excita a imaginação do leitor com elementos que não estão descritos explicitamente no texto. Assim deve ser o trabalho do cenógrafo de uma peça infantil.” Um desafio, para Duda, é entender qual é exatamente o limite entre o supérfluo e o necessário na composição de um cenário. É preciso trabalhar com a magia e a surpresa, mas não correr o risco de levar a Disneylândia para o palco. O apelo visual e o entretenimento são importantes, mas é preciso ter um conceito que sustente isso tudo.”
“Existe uma ideia errada de que cenografia é só o que aparece e o que se move”, completou Serroni. “Cenografia não é shopping center. Um artista precisa perseguir a síntese. Os cenógrafos estrangeiros vivem tirando o chapéu para o jogo de cintura dos brasileiros com relação ao uso de materiais inusitados, mas isso cansa. Somos criativos, sim, mas precisamos também da tecnologia, do conhecimento, de oficinas cenográficas, cursos, materiais nobres, palcos giratórios. É claro que, às vezes, um ator iluminado pela chama de uma só vela resulta em um efeito mais maravilhoso do que 1.200 refletores juntos, mas a gente deveria ter a chance de poder escolher entre um e outro caminho. Há espetáculos em que, se você for muito sintético e simples, estará errando. Adoro os musicais da Broadway. Deveria haver espaço para tudo.”
Contorno – Outro aspecto muito lembrado no debate da Panamco foi a importância do ator na concepção cenográfica. “O ator é o centro do espetáculo”, disse Serroni. “Ele deve nortear todo o trabalho. Não adianta ser uma cenografia linda, se ela não se casa com a interpretação, se não está a serviço do ator. O piso é do ator, por isso procuro sempre não atravancar o palco, fazer cenografias aéreas, de contorno.”
Serroni e Duda lembraram também que hoje não existe mais a cenografia de prancheta. “Não funciona mais assim”, explicou Serroni. “Não se tem uma ideia genial no seu escritório, sem o contato com os atores, o diretor, sem ir aos ensaios. Cenografia é trabalho coletivo, nasce em conjunto. Por isso, é preciso ser humilde, abandonar a vaidade. Quem quiser ser autoral não pode fazer cenografia, é melhor ir escrever poemas, pintar quadros. O sucesso pessoal vem com o tempo, com calma. Teatro é coisa de equipe.”