Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 24.12.2004
Pinóquio maniqueísta
Montagem valoriza a luta entre o bem e o mal
De volta ao cartaz no Teatro Clara Nunes no próximo dia 8, A Fantasia de Pinóquio se baseia em As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Coloddi, clássico da literatura infantil de 1883 que teve inúmeras adaptações, inclusive uma de Walt Disney, para o cinema, em 1940. Pinóquio é um boneco de madeira, criado pelo marceneiro Gepetto, que deseja que sua criação se transforme em um menino de verdade. O boneco ganha vida, mas ainda não é um ser humano. Para isso ele terá que passar por um longo processo interior de crescimento. Ao mesmo tempo ingênuo e egoísta, mas também corajoso e encantador, ele é um herói nada exemplar, já que não é nem bom nem mau. No conto original, Pinóquio é a imagem da infância.
Apesar da riqueza do personagem, o adaptador Leandro Fleury Curado faz uma leitura maniqueísta da história, construindo um texto moralizante. A montagem exibe a influência da estética de Disney e dos musicais de Hollywood, tanto que a melodia e coreografia que abrem e fecham o espetáculo são recriações de Cantando na Chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly.
Se a própria montagem de Walt Disney foi, na época, considerada reducionista, esta releitura continua limitando a abrangência da obra de Coloddi. O foco central passa a ser apenas a luta do bem contra o mal, onde os bons se salvam e os maus são punidos. O doloroso processo de Pinóquio para se tornar humano, enfrentando longas noites frias, a fome e a solidão, é deixado de lado.
Embora se intitule musical, o espetáculo conta com um elenco sem preparo suficiente para cantar e dançar e mesmo sua interpretação é canhestra. O ator William Lima, que faz o Pinóquio, tem uma composição infantilizada, excessivamente estereotipada, revelando uma leitura preconceituosa do que seja uma criança. Sendo assim, torna-se difícil qualquer tipo de empatia do público para com o personagem. Sem presença cênica, o ator Leandro Fleury Curado, deixa a desejar como Grilo falante. O restante do elenco também não corresponde ao que se espera de um trabalho profissional.
O cenário, de Márcio Araújo e Marcelo Feliceti se propõe a compor os diversos ambientes onde se passa a trama: a casa de Gepetto, o circo Strambolli e o fundo do mar. No entanto, a ambientação mal definida e a má iluminação de Castelar tornam o espetáculo visualmente confuso e deixam os atores no escuro. As músicas que remetem aos filmes da Disney, interrompem a sequência narrativa para que se realizem números de dança, em sua maioria de difícil entendimento dentro do contexto. Este é o caso de Peixe Vivo, cantada junto com o público, enquanto Gepeto está no fundo do mar.
Os figurinos, de Márcio Araújo também remetem à mesma estética hollywoodiana. A Fada Azul lembra qualquer fada de conto infantil tradicional adaptado por Disney para o cinema, assim como o figurino de Pinóquio e do Grilo Falante. Se é para se reproduzir uma estética Disney no palco, por que montar um espetáculo que reduz ainda mais o alcance deste conto tradicional?