Carmencita está em cartaz no Sesc Pinheiros e conta a história de uma cigana apaixonada. Foto: Claudio Higa

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 27.03.2015

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Carmen, a cigana sedutora, vai parar no teatro infantil

A divertida Cris Miguel, com bonecos e instrumentos musicais, inicia as crianças no mundo da ópera

O mérito maior do espetáculo Carmencita, em cartaz no Sesc Pinheiros, em duas sessões aos domingos, é divulgar o gênero ópera, de forma divertida e respeitosa, às novas gerações. O enredo da obra de Bizet, Carmen, está inteirinho lá, assim como todas as principais músicas que integram a consagrada e trágica história dessa cigana apaixonada. Por isso, os pais que já conhecem a ópera vibram com suas crianças e isso é ótimo.

Sozinha em cena com seus bonecos e sua mala (de onde saltam objetos inusitados e inúmeros instrumentos musicais) está Cris Miguel, que desde 1997 integra o grupo de músicas étnicas Mawaca, além de ser a fundadora, ao lado de Sergio Serrano, da Companhia Ópera na Mala e autora do premiado programa Baú de Histórias (TV Rá-Tim-Bum e TV Cultura).

Cris está à vontade, alternando-se muito bem nas funções de atriz, instrumentista, cantora, contadora de histórias, manipuladora de bonecos e clown. Reparei que, às vezes, justamente pela pressa de se alternar sozinha em todos esses múltiplos talentos, ela ‘joga’ para trás do cenário, displicentemente, os bonecos que acabou de manipular, o que é considerado como pecado mortal nessa delicada arte de dar vida aos bonecos. Mas é um detalhe que não chega a incomodar o público e não é nada que comprometa a graça dos bonecos, muito bem confeccionados (Paula Galasso e Cris Miguel). Ao ter de deixar, em algumas cenas, os bonecos encostados em um canto do minipalco que compõe o cenário, a própria atriz tira proveito inteligente disso e brinca, imitando a expressão inerte do boneco – o que faz as crianças rirem na plateia. Ponto pra ela.

Encantador é o momento em que ela monta uma orquestra mirim, com crianças escolhidas da plateia para subir ao palco e tocar instrumentos como gaita, tambor e prato. Isso é uma grande sacada interativa, absolutamente coerente e complementar à proposta de iniciação musical sugerida pelo espetáculo. Parabéns ao diretor Danilo Tomic e à desenvoltura de Cris Miguel. Aliás, o espetáculo procura ser interativo em vários momentos, sobretudo quando a atriz faz perguntas diretas à plateia e espera as respostas. Isso é sempre um risco. Por exemplo: ela pede que as crianças a avisem quando ela, por engano, falar em espanhol, em vez de português. As crianças avisam uma, duas, três, quatro, cinco vezes, até que seus gritos começam a incomodar o andamento do espetáculo, fazendo com que Cris mande nova orientação, de sinal invertido, anulando a primeira: “Agora, vocês já podem parar de me avisar, tá bom?” Esse é o risco desse tipo de interatividade: ter de voltar atrás quando as crianças extrapolam a participação esperada.

Outra observação a se fazer sobre Carmencita diz respeito ao final trágico, em que Carmen, como na ópera, morre assassinada. O texto do espetáculo infantil é delicado, cuidadoso, afinal, o assunto é morte. Cris Miguel vai falando com todo jeitinho que a personagem isso, a personagem aquilo, faz certa graça, veste asas na boneca e começa a usar metáforas para representar o fim da vida, imagens sobre eternidade e felicidade, e por aí vai. Muitos méritos nisso, é inegável. Mas as crianças maiores da plateia, ao menos no domingo passado, quando estive lá, gritaram em alto e bom som: “ Ela morreu! Ela morreu! ” Chega a ser engraçado ver a atriz fazendo tanto esforço para ser poética na hora de narrar uma morte – e a garotada, sem paciência, ir direto ao ponto, como se dissessem à atriz: “ Para de enrolar e diz logo que ela morreu! ” É algo a se refletir. Morte sempre foi tema tabu no teatro para crianças. É totalmente legítima e louvável a opção por usar metáforas e delicadezas nesse final. Mas há que se fazer tudo na medida certa. Será que a poesia não pesou demais nesse caso e fez o efeito contrário? O fim de Carmencita me deixou a impressão incômoda de excesso de zelo com o tema da morte.

Serviço

Sesc Pinheiros. Auditório – 3º Andar
Rua Paes Leme, 195
Tel.: 11 3095.9400
Domingos, às 15h e às 17h
Ingressos: R$ 17,00 (inteira) e R$ 8,50 (meia)
Até 12 de abril