Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 08.07.1995
Delicados Saltimbancos
O melhor do espetáculo é quando ele consegue surpreender a plateia, com pequenos detalhes do percurso.
A Caravana Realejo conta Rapunzel é um desses casos que começa a realizar o fenômeno logo no título. Para o espectador que vai ao teatro, pensando em ver a história de uma trupe de saltimbancos de outros tempos, a surpresa pode ser, mas agradável ainda.
O simpático – porém anacrônico – título da caravana é, no texto de Guilherme Guaral, só uma oportuna lembrança de que as dificuldades e alegrias de se montar uma peça e sair mambembando pelo país afora ultrapassam os modelos convencionais das peças datadas.
Ambientada na época atual, a história gira em torno de um grupo de atores, arregimentados por um empresário para uma excursão pelo Nordeste, onde apresentarão Rapunzel. Sem modernidades exageradas que poderiam revelar ranços de uma companhia teatral em ação – com eventuais derrubadas em cena, ressentimento pela falta de público e outros entraves do mundo do espetáculo -, Guaral concebe um texto delicado, onde as situações se colocam sutilmente, sem didatismos, e, melhor ainda, sem a antiga ideia de que o ator é um ser superior, dotado de extrema sensibilidade e incapaz de levar uma vida semelhante ao resto dos mortais.
Detalhes como uma simples sombra azul – passada , numa conversa de camarim, pela atriz mais velha – podem embelezar ainda mais os olhos da atriz principal. O recurso de fazer o teatro na praça, quando o público não comparece ao teatro – trocando o ingresso por bem-vindos presentes comestíveis -, ou a alegria de ter casa lotada numa outra cidade são só alguns pontos reveladores da turnê.
O clima de romance e aventura representado no palco, se confundindo com a vida dos outros, é mais um recurso utilizado pelo autor, para levar ao público cenas de bastidores muito atraentes.
Entre elas, o amor verdadeiro entre o ator que representa o príncipe e a atriz que faz a Rapunzel, o motorista que acaba entrando no espetáculo como ator substituto, ou ainda o bom humor da atriz mais velha ao reconhecer que sempre lhe caberá o papel da bruxa ou da madrasta.
Com um texto tão rico em situações, Guilherme Guaral poderia ter ousado mais em sua direção. O excessivo retorno ao caminhão que leva a caravana para as próximas cidades, mesmo feita com música cantada ao vivo, se repete além do necessário. Uma corrigida no tempo de passagem palco / bastidores e um pouco mais de vigor na performance do elenco também seriam bem-vindas.
De resto, o espetáculo tem cenários e figurinos de muito bom gosto, assinados por Maria Clara Pinheiro, que faz maravilhas com retalhos de tecidos e rendas. Uma surpresa e tanto.
Cotação: 2 estrelas (Bom)