Capitães de Areia, inteiramente dançado por meninas

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 28.03.1987

Barra

A Linguagem dos Gestos

Apesar da musicalidade e da gestualidade forte do povo brasileiro, a área da dança não tem apresentado produções culturais frequentes para crianças. Se a tradição popular conhece nos folguedos uma manifestação articulada de dança, teatro e música e as cantigas de roda infantis não estão longe destes “brincos”, a dança costuma frequentar raramente aos palcos de espetáculos destinado ao público infantil, a não ser os já clássicos, como o balé Quebra-Nozes, que, bem-vindo, retorna a cada dezembro, e os grupos folclóricos internacionais que nos visitam vez por outra. E fora o bom trabalho de Luiza Lagoas com seu grupo na UFF quase nada tem surgido como programa, dançado ou não por crianças.

Agora está em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues (ex-BNH) com o grupo Tranzonga, dirigido por Valéria Moreyra e Rose Mattos, um roteiro coreografado de Capitães de Areia de Jorge Amado. Desde 1983 eles vêm se apresentando em projetos como o Palco sobre Rodas e Dança na Rua, reunindo jovens de bom nível técnico, de uma academia de dança que já conta dez anos. Durante esse tempo, especializaram-se em dançar textos infantis oriundos da literatura: Bom Dia Todas as Cores, de Ruth Rocha; Caixinha dos 3 Segredos, de Álvaro Moreyra; Nossa Terra, Nossa Gente, baseado na obra poética de Cassiano Ricardo, entre outros.

Com o incentivo do escritor baiano, montaram há cerca de seis meses o espetáculo que está em cena, despretensioso e correto, onde a dança, o teatro e a música aparecem como recursos para contar a história dos meninos de rua da
velha Bahia, onde Jorge Amado idealizou e supervalorizou a liberdade ainda que no abandono. Despindo questões desta ordem as roteiristas e coreógrafas optaram por contar mesmo uma história linear através de gestos, ao som de uma seleção de músicas extremamente apropriada para o texto: Berimbau de Dirceu e Eduardo Araújo, Pivete de Chico Buarque e Francis Hime, Sentinela de Milton Nascimento, Bandeira do Divino de Ivan Lins, para citar algumas das que fazem fundo para o tema Jorge Amado dançado por 22 adolescentes.

Não confiante na expressão corporal como linguagem em si só eficaz ou, talvez, por buscar uma comunicação mais direta e imediata com o público, as coreógrafas não dispensaram uma “voz em off” para narrar cada cena, o que, de fato, dá ao espetáculo um caráter mais acentuado de teatro musical infanto-juvenil.

A decisão de explicitar o enredo que não é frequente no balé clássico (Luiza Lagoas tem um ótimo História de Ballet
que desvela o texto dançado de Copélia, O lagoa dos cines e A sílfide entre outros, pelas Memórias Futuras com ilustrações delicadas de Paula Saldanha, se por um lado a opção facilita a compreensão da plateia, por outro quebra o clima harmônico que o movimento e o som por si sós podem criar em um espetáculo de dança.

O resultado em todo caso é um bonito trabalho, de balé moderno, com um grupo aprendiz e dedicado, de bonitas figuras e figurinos, que tem seu ponto forte na cena da alta do cacau em que as mulheres-damas e seus coronéis enfeitam as noites dos cabarés.

Como curiosidade, a história dos Capitães da Areia é inteiramente dançada por meninas.