Fantasia 80, uma revista para as crianças

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 09.01.1981

 

Colchas de Retalhos em Revista

Se, com o novo ânimo que vem obtendo no Rio o teatro de revista, os cafés-concerto voltaram a moda e um tipo mais popular de interpretação, cheia de cacos e com um contato mais direto com a plateia, ganha a cena; seria impossível para o teatro infantil não se deixar tocar de alguma forma por essa retomada da revista. Infelizmente, entretanto, no que diz respeito ao teatro infantil, tal retomada tem como consequência mais positiva a utilização de mais algumas casas de espetáculos localizadas em diferentes pontos da cidade. Daí se ter em temporada, no Café-Teatro Roda Viva, Fantasia 80 e no Schint, Teatro Tapume, Bruxinha Vaidosa. São utilizados os cafés teatros em que, no entanto, quaisquer de suas potencialidades para uma maior comunicação com a plateia sejam sequer cogitados. Nenhum desses teatros tem o seu serviço de bar funcionando normalmente no horário infantil. O que torna, aos olhos da plateia infantil, aquele acúmulo de mesinhas, uma coisa totalmente sem sentido. Para que a mesa, se não vão beber ou comer nada? Sem esse clima meio de bar, o próprio espaço do café teatro já perdi muito do seu charme. E a descontração habitual dos que se sentam às mesas nos espetáculos noturnos, se transforma, nos espectadores infantis, numa tentativa encabulada de sentar em meio de cócoras sobre as cadeiras para ficarem mais altos do que as incômodas e inexplicáveis mesas.

Para tristeza dos eventuais espectadores, não parece ficar apenas na transfiguração do próprio espaço do café-teatro, o péssimo aproveitamento que dele vem fazendo espetáculos infantis de fraquíssima qualidade.

O Teatro Tapume, por exemplo, já deprime logo na entrada. Tudo escuro, com fotos do espetáculo noturno e um cartaz de papelão mais adequado a um mural escolar do que a uma casa de espetáculos. A entrada já é tão soturna que algumas crianças choram mesmo antes do espetáculo começar. Como se já estivessem prevendo as toalhas sujas e rasgadas e a horrível decoração cheia de sereias e índias seminuas que iriam ver logo a seguir. A transformação do teatro tapume em “infantil” parece se limitar a colocação de umas cinco bolas coloridas no teto e de uns disquinhos infantis chatíssimos, repetidos exaustivamente, e, é claro, a um espetáculo que parece reproduzir o que existe de pior no teatro infantil em ponto não parece faltar nada. Desde o “Olá, garotada!” inicial a uma bruxa caracterizada como uma mostrenga ridícula e que se volta o tempo todo para as crianças presentes ameaçando transformá-las em sapos. Em matéria de falta de criatividade e “petrificação” da criança não se poderia querer melhor. Pior que isso talvez só mesmo um quarto escuro.

Já em Fantasia 80 o ponto de vista privilegiado não parece ser o do bicho-papão como em A Bruxinha Vaidosa. São “titios pacientes” que ocupam a cena e, mesmo preferindo nitidamente está fazendo uma revista para adultos, tentam assumir o que pensam ser o comportamento mais adequado para atores de teatro infantil, daí as vozes fininhas, os saltitos e acenos para a plateia toda vez que saem de cena. Se em Bruxinha Vaidosa a infantilização do espectador se dá via “medo da bruxa”; em Fantasia 80 utiliza-se um método mais “afetivo” e usual. Trata-se a criança como um bichinho de estimação, ela se vê obrigada a responder às perguntas dos atores mesmo quando não quer, e a rever histórias e personagens que já está cansada de conhecer. E a Alice que entra em cena, ao invés de jogar para o alto e a lógica e o cotidiano infantil, exige apenas que digam “boa tarde” umas três vezes e ainda defende a rainha de copas sugerindo que ela talvez não seja tão má assim. mesmo o lanche que o Café-Teatro Roda Viva oferece ao final do show não dá para compensar essa colcha de retalhos aparentemente “inocente”, onde se misturam velhas histórias, referências sem graça ao teatro de revista, e autoritarismo e toda a irreverência e potencialidade crítica da revista e de um padrão mais popular de interpretação se perdem em bruxas aterrorizantes e na discutível justificativa de rainhas autoritárias.