Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 06.12.1998

 

Barra

Quando acaba, fica um gostinho de quero mais

Com a profusão de contadores de histórias que se espalha pelos palcos e pelos espaços alternativos da cidade, cada vez que se anuncia um espetáculo na linha resgate, fica no ar um certo temor. Mas como toda arte escolhida, nesta também há contadores e contadores. Os mais interessantes têm se apropriado da técnica teatral e sem perder a essência da contação conseguem unir as técnicas em benefício do espetáculo.

Contos e Cantigas Populares, em temporada no teatro do Museu da República, uma ideia posta em prática por Agnes Moço, Duda Maia, Marcelo Mello e Ana Paula Botelho, ultrapassa o limite da estratégia conhecida e se revela um espetáculo de linguagem apurada onde as antigas canções da infância (infância dos muitos antigos) ganham formato ágil, mas não modernoso, para apresentar peças do folclore com críticas bem humoradas, que no conta-reconta da história oral foram ganhando alguns absurdos na trama.

As histórias escolhidas: O Sapo que Tinha Medo da Água, As Irmãs tatas, O Macaco e a Neguinha da Cuia, A Onça, O Macaco e o jabuti e O Pescador e sua Esposa, entre outras, cada uma contada e encenada de maneira diferente. Em O Pescador e sua Esposa, uma história na qual o peixe concede ao homem a realização de seus desejos, mas a mulher exige cada vez mais riquezas ate querer se tornar à senhora do sol e da lua, as mudanças acontecem nos pares de sapatos que vão sendo apresentados à plateia: uma sandália, um escarpim mais bonito, até chegar a um luxuoso salto alto enfeitadíssimo. São detalhes de adereços que ilustram muito bem o desenrolar da trama. Em A História da Coca, uma espécie de abóbora do mato, um coro afinado critica o enredo de trocas – a coca pelo angu, o angu pelo sabão, o sabão pela faca, com humor que chama a atenção da plateia para atitudes do personagem que não sabe o que quer. Um jogo de absurdos muito bem feito.

Agnes Moço, que vinha emprestando seu talento a outras peças musicais com sua Orquestra de Vozes, foi muito feliz nesse primeiro espetáculo solo. Assim tudo que vinha se anunciando em pequenas interferências está no palco numa montagem enxuta. A direção de Marcelo Mello valorizou o elenco – Ana Lia Rodrigues, Beatriz Futuro, Bernardo Carvalho, Carolina Futuro, Chiara Santoro, Cristiana Futuro e Jaqueline Futuro -, criando para cada ator um personagem principal, que rapidamente se mistura com o coro e ganha força no espetáculo.

A coreografia de Duda Maia, em movimentos bem marcados, faz a plateia esquecer o tamanho do minúsculo palco do Museu. Ney Madeira veste o elenco com jardineiras em tom neutro, deixando o colorido por conta dos adereços. Finalmente, os bonecos de manipulação, de diversos tamanhos, confeccionados por Marcelo Abreu se encaixam ludicamente na história. Contos e Cantigas Populares é um espetáculo que prende a atenção do espectador do início ao fim e quando acaba fica um gostinho de quero mais. A ideia é ver e rever e, principalmente, se divertir.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)