Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 30.09.1978
Caliban, Caliban é da geração discoteca
Caliban, Caliban, sátira musical criada pelo grupo Tisa a partir de um texto do inglês John Aiken, é um espetáculo que mantém a tradição dos trabalhos apresentados no Colégio Pernalonga: muita força visual, cuidado no acabamento, um alto nível de produção profissional – tudo isso em consequência da boa relação criativa existente entre Luís Carlos Figueiredo (cenógrafo e figurinista), Jorginho de Carvalho (iluminação) e Maria Luísa Prates (direção). Caliban, Caliban tem a qualidade de envolver bem a plateia infantil, não através do texto, capenga e confuso, mas por intermédio da fantasia, dos climas obtidos pelo belo interior de um farol, pelas roupas, por algumas marcações, pela expressiva iluminação, pela música.
O espectador se envolve, “curte a transação do maior barato, do maior som”, mas não acompanha bem o desenvolvimento da história, não entende bem o que esta acontecendo, não percebe o porquê das ações. O espetáculo começa bem “pra cima”, com música e dança, mas a coreografia é muito repetitiva e o impacto inicial começa a decrescer. Com o desenvolvimento da encenação surge novo problema; a direção desliga totalmente as partes musicais da ação dramática e fica a impressão de que a estrutura de funcionamento seria essa; “depois de uma cena de diálogos, coloca-se uma musiquinha para alegrar e animar”. As inserções das músicas acabam sendo ainda mais arbitrárias porque existe uma letra que, teoricamente, deveria ter alguma relação com a peça, mas essa letra é sempre cantada em inglês – num espetáculo que o Tisa anuncia para crianças maiores de cinco anos. Em suma: não há qualquer ligação entre a ação do texto e o que se canta.
Fica muito claro que encenar Caliban, Caliban é uma grande curtição para o elenco. Vê-se que os atores adolescentes vibram e se divertem. Isso faz com que fiquem mais a vontade e compensem um pouco a inexperiência, mas de qualquer forma, a interpretação funciona melhor quando se adota a linha mais farsesca: “Eu era um ladrão de navios naufragados”, por exemplo.
O elenco é da geração discoteca e está transando o seu momento. Um espetáculo como esse, que assume a discoteca, e tem o Studio 54, como aspiração, ao mesmo tempo em que se revela culturalmente colonizado, serve como espelho dos anseios de lazer de grande parte da população jovem da Zona Sul. Porém, e principalmente por ser numa escola, o Tisa não deveria apenas refletir (sem qualquer senso crítico, diga-se de passagem) uma tendência dos adolescentes, mas procurar conscientizar-lhes de que estamos no Brasil e que existe algo mais do que o musical americano (como espetáculo) e que existe algo mais do que a música americana (como elemento de canto e dança); que há possibilidades enormes de se buscar uma linguagem de palco com elementos brasileiros. Não reivindico aqui uma encenação nacionalista-xenófoba. Num momento em que as distâncias se encurtam e o conceito de aldeia global se amplia seria pelo menos estupidez fechar os olhos para o que está acontecendo lá fora. Só reivindico que não se feche os olhos para o que está acontecendo aqui dentro.
Que o Tisa permaneça na luta e continue procurando seus caminhos; uma melhor seleção de textos, neste sentido, é fundamental. Espero com expectativa o próximo espetáculo, século XXI, de Maria Luiza Prates, que se propõe a discutir, para adolescentes, um dos temas mais vivos e pouco enfocados da realidade brasileira: as carências, esperanças, ilusões e marginalização dos jovens dos dez aos 18 anos. Talvez, com o Século XXI, o Tisa faça um espetáculo que não seja apenas bonito.