Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 2006
Caldeirão de Histórias é um espetáculo de Priscila Camargo que conta histórias de tradição oral universal e que está em cartaz no Teatro CBTIJ – Clube Militar.
Priscila é atriz de formação e ofício e leva para o palco com maestria a arte de contar histórias, da qual também se tornou profissional, por ofício e paixão.
Este trabalho de contar histórias sobre o palco, utilizando-se dos recursos teatrais, tem dado origem a uma nova forma de expressão, por muitos chamada de narrativa oral cênica.
Priscila é das que melhor consegue equilibrar as duas linguagens, se utilizando de todos os recursos teatrais possíveis, mas sem perder o tom, mais intimista, da contadora de histórias. Priscilla, como todo bom contador se apropria da história e a reconta como se fosse sua própria história, o que torna o ato de contar vivo e verdadeiro.
Este espetáculo foi realizado antes do seu último grande sucesso Histórias de Mãe África, onde a atriz-contadora falava da tradição africana, dos “griots” – os contadores de histórias africanos, responsáveis pela transmissão oral da sua cultura e do seu conhecimento.
Caldeirão de Histórias é um espetáculo que se utiliza mais da técnica do contar do que do teatro. Priscila está mais próxima de seu público, conta olho-no-olho, intervém, permite que as crianças intervenham na história, tudo sob o mais absoluto domínio do palco e do seu ofício.
Priscila Camargo conta quatro histórias. A primeira, de origem turca fala sobre A Verdade, que tenta entrar nos palácios dos reis e para isso tem que se disfarçar de mil maneiras, mas toda vez que se descobre que é A Verdade adentrando o local dos poderosos, impedem que ela siga seu curso.
A segunda, de origem asiática, é Rustam e a Fortaleza de Ferro, que fala de heróis, anti-heróis, no mundo real e no mundo mágico da fábula. A terceira história se chama A libélula, de origem africana, que fala da “transformação”, da vida e da morte. Nesta história Priscila dá a seus ouvintes “participações especiais”, mas com cuidado, delicadeza e propriedade, sem se tornar, em nenhum momento, invasiva, buscando a participação dos seus encantados espectadores, sem provocar nenhuma excitação, com um domínio absoluto do palco e da plateia, pelo seu carisma.
Participa do espetáculo com a direção musical, a autoria das músicas e algumas intervenções cênicas Renato de Resende, numa participação muito à vontade, seguindo a proposta de direção de Cacá Mourthé, que sempre realiza uma direção alegre, viva e bem humorada; tem a noção exata do ritmo que prende a atenção da criança e a medida certa do humor, do lirismo, com que dosa o espetáculo.
Os cenários e os figurinos de Chico Spinoza, além de criativos, atendem com acerto uma questão central neste tipo de espetáculo. Criar um figurino-base, mas que dê identidade à contadora e figurinos que se superponham rapidamente, se recriando e transformando, para atender a necessidade dos muitos personagens, das muitas histórias contadas.
Adereços e instrumentos de percussão são utilizados pela atriz e pelo músico, principalmente na última história, de origem indígena, que conta A Lenda da Mandioca, que fala também de nascimento, morte e renascimento.
As histórias escolhidas por Priscila, e neste espetáculo, com o auxilio de Nícia Grilo, são sempre contos que têm um significado mítico, que trabalha com o inconsciente, transmite saberes – sem nenhum didatismo. A ação e a história se encarregam de transmitir a ideologia do autor, no caso, os contos tradicionais populares e toda sua sabedoria. Conhecimentos milenares, questões como a vida e a morte, são colocadas de forma absolutamente adequada aos pequenos sem ser, em nenhum momento, um “ensinamento” enfadonho. Muito pelo contrário, crianças e adultos se divertem e lamentam quando termina o clima mágico e intimista que Priscila Camargo consegue instaurar tão bem em seus espetáculos.