Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 17.12.2005
Parte inicial é a melhor
Peça que celebra Rachel de Queiroz vai bem só até a metade
Cafute e Pena-de-Prata está em cartaz no Teatro Glauce Rocha para uma explicita homenagem à autora do texto, Rachel de Queiroz, uma das maiores escritoras brasileiras e a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Inicialmente, o elenco conta a vida e fala sobre a obra de Rachel de Queiroz em formato de jogral. Logo em seguida, um narrador vai apresentando, de uma forma simples e agradável, trechos encenados de suas mais importantes obras, como O Quinze (1930), seu romance de estreia, Beata Maria do Egito e O Menino Mágico.
O espetáculo é despojado, mambembe mesmo. Palco nu, alguns tecidos, rendas, uma arara com figurinos ao fundo Esse cenário, assinado por Jorge Ruy, também remete, com suas rendas, ao interior do Brasil, sempre tão bem retratado pela escritora. Tudo leva a crer que o que se verá em cena é um espetáculo criativo, conduzido em uma linguagem popular. De fato é isso o que acontece. Mas só na primeira parte.
Na segunda parte, é encenado o texto Cafute e Pena-de-Prata. Esta história conta as aventuras de dois pintinhos, um pobre e nascido no ninho; outro rico, nascido de chocadeira. Apesar das diferenças, os dois se tornam amigos e saem pelo mundo em busca de um caminho.
Aí se evidencia a dificuldade de abordagem do imaginário infantil. Escrever e fazer teatro para crianças requer uma habilidade específica. Quando começa a encenação de Cafute e Pena-de-Prata, a linguagem utilizada se dissolve e se infantiliza, no sentido negativo do termo.
Figurinos sem expressão, quase caricatos surgem cena, criados por Sueli Corzon e Paulo Kandura. E nada mais lembra os figurinos despojados e eficientes da primeira parte. A luz de poucos recursos, conduzida por Miguel Rezende, Jorge Ruy e Jarbas não auxilia. Salva a eficiente trilha sonora de Luís Salvador, tocada ao vivo.
O elenco parece ser outro, pois os atores mudam a linha de atuação, procurando fazer graça e conquistar o público. O excelente narrador da primeira parte interpreta um pavão, no mínimo risível, e não é por falta de recursos do ator, mas sim por equivoco da direção.
A carpintaria teatral não é, aí, bem construída, nem bem conduzida por Jorge Ruy, adaptador e diretor. Apenas contar bem a história, como é feito na primeira parte, talvez fosse o suficiente.
Além dos problemas específicos de encenação, o fato de haver dois segmentos distintos, destinados a públicos absolutamente diferenciados, torna o conjunto de Cafute e Pena-de-Prata de uma heterogeneidade difícil de agradar na íntegra a qualquer um dos públicos: adulto ou infantil.