Bug brinca com o mundo virtual

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 14.10.2016

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A importância de saber escolher o tema da peça infantil

Três espetáculos que falam sobre assuntos pertinentes e necessários: ‘Fim?’, ‘Bug’ e ‘Livro de Ouro’

Faço hoje três comentários curtos sobre três peças para crianças que vi recentemente no circuito paulistano e que ainda estão em cartaz na cidade. São peças que partem de ideias ótimas e muito importantes como temas para debater com nossos pequenos. Fim?, do grupo Esparrama, fala sobre preservar a natureza e, consequentemente, proteger o planeta. Bug brinca com a obsessão da garotada pelo mundo virtual na tela de seus smart phones. E Livro de Ouro procura resgatar a importância da leitura, também em contraposição à febre de celulares disponíveis cada vez mais cedo às crianças.

Em Fim?, em cartaz até 27 de novembro no Teatro Alfa, duas baratas festejam o fim do mundo, em um cenário de destruição. Mas, de repente, se deparam com dois seres atrapalhados e esquisitos, dois palhaços, que acreditam que poderão plantar a semente do novo recomeço. Revezando-se muito à vontade nos papeis de barata e clown estão Rani Guerra e Kleber Brianez, exibindo ótimo jogo de cintura e incrível disposição e talento. Dificílimo definir qual dos dois está melhor. Ponto para o diretor Iarlei Rangel, que mais uma vez soube tirar proveito da sintonia criativa entre os dois intérpretes. Criado em 2012, o Grupo Esparrama, já reconhecido por encenar suas peças encenadas em uma janela que dá para o Minhocão paulistano, tem como base de sua pesquisa o estudo do palhaço e das estruturas cômicas em suas variadas expressões nas artes cênicas (rua, palco convencional, intervenções, etc.). Vá ver, que é diversão pura.

Em Bug, em cartaz até 27 de novembro no Espaço Promon, Serafina é uma menina descolada que, no auge dos seus 12 anos, não o quer saber de desligar o celular. Certo dia, ela é sugada pelo aparelho e tem que correr contra o tempo antes que fique presa para sempre. Três ícones vão lhe indicar o caminho correto para sair de dentro do celular. O WhatsApp é o ícone mais falante. Ele conversa tanto que, por vezes, erra o que está dizendo por culpa do corretor. A Waze é determinada e sempre sabe muito bem para onde está indo. Antenada, ela conta aos amigos sobre quem vai às maiores festas do mundo dos aplicativos e sabe tudo sobre os últimos babados, como o recente namoro do Youtube com a Netflix. Quem não gosta nada dessa história é o Orkut, que anda meio esquecido e chora toda vez que não é convidado para passear com os outros ícones.

Achei que é uma ótima ideia desperdiçada em mãos de quem ainda faz teatro para crianças com ranços de antigamente, com interpretações forçadas e equivocadas, uma obsessão pela alegria, gritaria e euforia e o equívoco da participação da plateia de forma excessivamente conduzida pelos artistas. Um texto (de Carlo Felipe Pace, também diretor da peça) que fala muito bem a língua dos jovens de hoje, mas com uma estética e uma linguagem retrógradas. Falta ao grupo ver mais espetáculos, para entender que essa boa ideia mereceria ser melhor aproveitada, com mais criatividade e menos tatibitate. Pena.

Em Livro de Ouro, já em sua segunda temporada na cidade, que termina neste domingo no Teatro Jaraguá, os habitantes de uma cidade chamada Livrópolis passam a maior parte do tempo lendo, escrevendo, desenhando, tocando instrumentos e pintando. Ali, há um livro de ouro, que é a fonte de toda inspiração, criatividade e imaginação do lugar. Porém, por um breve descuido, esse livro desaparece na cidade e todas as suspeitas recaem sobre a doce e divertida protagonista, Sofia (a sempre ótima Daphne Bozaski). Quem rouba o espetáculo para si é um personagem coadjuvante muito carismático e divertido, o cachorro Millôr, interpretado com muito talento por Daniel Costa. O vira-latas não sabe falar a nossa língua, mas pensa que sabe – e acaba virando uma espécie de ‘papagaio’ repetidor do que sua dona fala. Só que ele repete do jeito dele – e isso encanta a todos e diverte muito o próprio ator no palco. Estreando na direção, Geraldo Rodrigues demonstra segurança e criatividade. Tem uma bela carreira promissora pela frente. O texto, assinado por ele e pela atriz Luciana Esposito, é bem construído, porém carece, a meu ver, de mais reviravoltas, mais conflitos. Tudo fica apenas na procura pelo livro de ouro e nada mais acontece. O cachorro Millôr salva o espetáculo.

Serviços

Fim?

Teatro Alfa, Sala B
Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722 – Santo Amaro, São Paulo
Tel. (11) 5693-4000
Sábados e domingos, às 17h30
R$ 30,00 (inteira) e R$15,00 (meia)
Até 27 de novembro.

Bug
Teatro Espaço Promon. Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1830 – Itaim Bibi, São Paulo
Tel. (11) 3071-4236
Sábados e domingos, às 16h
R$20 e R$10 (meia)
Até 27 de novembro

Livro de Ouro
Teatro Jaraguá
Rua Martins Fontes, 71, Bela Vista, São Paulo
Tel.: (11) 3255-4380
Sábados e domingos, às 16h.
R$ 30,00 (inteira) e R$ 15 (meia)
Só até domingo (16 de outubro)