Crítica publicada no Jornal Vertente (*)
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – junho 1997
A literatura e o teatro fazem parcerias muitas vezes enriquecedoras para ambos os segmentos. E mais uma vez nos deparemos com O Conto de Fadas em Questão. Natural, já que é um dos dez preferidos pelos escritores de literatura infantil e pelos encenadores para serem recontados. E é aí que reside todo o perigo. Por que recontar um conto de fadas? “ou se respeita a integridade, a inteireza, a totalidade da narrativa, ou se muda a história… mutilar a obra alheia, acho que é um dos poucos pecados indesculpáveis…” Por lidar com conteúdos essenciais da condição humana é que esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje. Quem Lê Cinderela não imagina que há registro que essa história era contada na China, durante o século IX d.C.; cada elemento do conto de fadas tem um papel significativo, importantíssimo e, se for retirado, suprimido ou atenuado, vai impedir que a criança compreenda integralmente o conto (Fanny Abramovich in Literatura Infantil).
O espetáculo Branca como a Neve incorre nessa tentativa imperdoável de atualização do conto de fadas. A adaptação retira do conto toda a magia, encanto, mistério e conflito humano em prol de um “pato” de desenho animado que se insere na história, de uma rainha que fala por celular, e, enquanto se diz “estressada”, as crianças conversam na plateia, reclamam que a bruxa não aparece. Reclamam, enfim, do seu direito de viver “um medinho bom” como dizia uma criança para um especialista em literatura. É exatamente neste estado em que o conto de fadas coloca a criança – a permissão de viver e qualquer sentimento – porque ela tem a consciência de que os vive na fantasia. Quando o adaptador agradece aos Irmãos Grimm e aos Estúdio Disney “que me serviram de principal referência” fica declarado o caminho tomado e proposto. Disney o que mais fez foi pasteurizar o conto de fadas, retirando dele exatamente sua essência e seus conflitos, adocicando-os, tirando-lhes, enquanto obra de arte, toda sua densidade, significado e revelação.
E assim segue o espetáculo que tem um ritmo lento, pois a adaptação não consegue, além de tudo, transpor para a linguagem teatral a linguagem literária. Há muito pouco teatro em cena. Há literatura teatralizada por atores que caminham por um histrionismo exagerado, para suprir a falta de carpintaria teatral, de desenho cênico. Lúcio Mauro Filho mais uma vez carrega as tintas de seus personagens e é um comediante meio ao espetáculo.
O forte trabalho de Sérgio Marimba dá personalidade à cena, porém é muito mais uma obra de arte pelos belos painéis do que elementos de cena. Os figurinos de Charles Moeller se adequam ao cenário, mas não acrescentam nada à encenação; assim como as músicas de Carlos Cardoso com letras de Marcelo Vale quase um Disney remake.
O programa diz: “O CCBB tem especial interesse na formação de plateias… Fundindo teatro e conto de fadas, a peça Branca como a Neve é um espetáculo sob medida para o público infanto-juvenil”. Com certeza, dessa vez o CCBB, detentor de tantos acertos, não teve um final feliz.
(*) Crítica publicada originalmente do Jornal do Comércio