Crítica publicada no O Fluminense
Por Lena Brasil – Niterói – 05.12.1981

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Bloco da Palhoça Chega no Quintal 

Quando na manhã de hoje crianças e adultos se depararem com uma enorme centopeia pelas ruas de Niterói, quando vislumbrarem, mais atrás, as figuras do Bloco da Palhoça atraindo a todos com o seu som inconfundível e, quando ainda mais tarde, o Teatro Quintal reabrir suas portas para uma temporada teatral do Bloco da Palhoça em Canto de Trabalho, muitos vão reconhecer o grupo que se originou em Niterói e saiu pelo Brasil ganhando prêmios, abrindo espaços. Mas, poucos vão saber, pelo menos entre os mais jovens, o quanto bonita e original é a formação desse bloco.

Pelos idos de 73, um verdadeiro clã, o dos Bedran, se reunia para fazer teatro para crianças com um elenco que agrupava três gerações: Adila e Branca, duas avós que faziam às vezes de costureiras, As irmãs Wanda, Wandirce e Wilma e as primas Maria José e Maria de Lourdes, filhas de Branca. Hoje não dá nem pra contar os filhos e netos que participaram daqueles espetáculos; sabe-se apenas que formavam um grupo de 23 pessoas em cena, com apenas duas únicas exceções familiares.

Se o núcleo mais velho se revezava na máquina, as irmãs Wanda, Wandirce e Wilma e mais Maria José logo assumiriam o posto de “bonequeiras”, manipuladoras e responsáveis, ainda, pela execução de toda a parte plástica dos espetáculos que a outra prima, Maria de Lourdes Martini, criava a partir das ideias do grupo todo.

Logo o Quintal, nome do teatro que funciona até hoje na Rua General Rondon, na Praia de São Francisco e também do grupo que o produzia, extrapolaria as fronteiras de Niterói para ganhar fama e muitos, muitos prêmios. Foi Maria de Lourdes Martini, com o seu texto A Estória da Moça Preguiçosa, encenada pelo Quintal, quem ganhou o primeiro prêmio destinado ao teatro infantil, oferecido no Brasil e, assim mesmo, pela Air France: o prêmio Molière. Erro reconhecido a tempo, pois os outros espetáculos do grupo, durante seu período de atividade encenava de uma a duas peças por ano, mereceram incontáveis Mambembes e títulos de Um dos Cinco Melhores Espetáculos do Ano, ambos outorgados pelo Serviço Nacional de Teatro.

Nessa época a ala jovem do Quintal contava entre 13 e 18 anos e era liderada por Beatriz Bedran, atriz que compunha e escrevia as músicas e ainda fazia a direção musical de todos os trabalhos do Quintal. O som era apresentado ao vivo, violões, flautas e muita percussão, para que as crianças “vissem” a música nascendo. Beatriz musicou Você Tem um Caleidoscópio?, Azul ou Encarnado? E Terra Ronca, último espetáculo encenado pelo grupão dos 23, entre outros.

Normalmente, o Quintal estreava em Niterói, onde ficava em cartaz a maior parte do tempo e, no final do ano, apresentava seu trabalho num teatro carioca. Já nessa época, paralelamente ao trabalho no Quintal, Beatriz Bedran trabalhava como atriz em espetáculos adultos no Rio, para sobreviver, diz ela.

Também nessa época ela entrou para a Faculdade de Musicoterapia, onde a paixão pela música para crianças, aliada a uma enorme vontade de pesquisar formas mais populares de comunicação ao vivo, tomou vulto e forma. Era hora de partir para a ação. Assim foi criado o Bloco da Palhoça, grupo especializado em música infantil, que partiu da teoria à prática  e saiu pelo interior do Brasil, fazendo espetáculos em coretos de praças, feiras e esquinas. Desde 1979 que o Bloco existe e exercita sua linguagem: gravou um disco, apresentou no ano passado seu primeiro trabalho feito para teatro, Música para Brincar e Cantar, com temporadas no João Caetano e Villa-Lobos, e que ganhou vários prêmios Mambembes, além de ser escolhido como um dos melhores do ano e, finalmente, neste ano, lançou Bloco da Palhoça em Canto de Trabalho, que ficou quatro meses em cartaz no Teatro Villa-Lobos e que hoje estreia no Quintal.

Vale aqui a velha frase: “o bom filho a casa torna”, e o Bloco da Palhoça, filhote do Quintal, vem pela segunda vez ao encontro de seu público de Niterói. As crianças de 73 já estão adultas, mas vão reconhecer e curtir junto com seus filhos e sobrinhos um dos mais simpáticos espaços para teatro infantil existentes no Brasil e um dos trabalhos de maior importância dentro da dramaturgia e da estética teatral.

Agora, só falta apresentar o Bloco da Palhoça: Beatriz Bedran, Victor Larica, músico e marido de Beatriz, Guilherme Bedran e Paulo Menezes. Guilherme é irmão de Beatriz e Paulo continua sendo “a exceção familiar”. Quem dirigiu o trabalho foi Maria de Lourdes Martini, também autora do texto. Quem for hoje ao Quintal não deixe de reparar na plateia a figura pequenininha de Julieta Bedran, que só conta alguns meses de idade, mas já curte um som de quarta geração.