Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 07.11.2017
Coração de estudante
A peça carioca sobre a infância de Milton Nascimento em Minas Gerais é mais um acerto do projeto que apresenta grandes músicos brasileiros à nova geração.
Grandes Músicos para Pequenos é um dos projetos mais competentes de teatro para crianças e jovens no Rio de Janeiro. Surgido em 2013, já contemplou três compositores: Luiz Gonzaga, em Luiz e Nazinha; Braguinha, em O Menino das Marchinhas, e agora Milton Nascimento, em Bituca, que chega já à sua terceira temporada este ano na capital carioca. A ótima peça musical está em cartaz desta vez na Zona Norte, no Imperator – Centro Cultural João Nogueira, até 20 de novembro.
Uma coisa é ter a ideia de ‘traduzir’ cenicamente esses compositores para os palcos vespertinos. Outra coisa é fazê-lo com talento e tantos acertos, sabendo escolher na biografia de cada um deles o que mais pode prender o interesse das crianças, sabendo casar as canções com a dramaturgia, enfim, sabendo fazer teatro de qualidade para todas as idades. Assim é, mais uma vez, esse Bituca – Milton Nascimento para Crianças.
Fui ver na temporada anterior, no teatro do Morro da Urca. Saí em estado de graça. Tudo é bem resolvido no lindo musical. O jovem Pedro Henrique Lopes de novo dá um banho de inteligência e graça no roteiro que criou. Escolheu acertadamente, na história do compositor de grandes sucessos como Maria Maria, Fé Cega Faca Amolada, Canção da América, Caçador de Mim e tantos e tantos outros, a parte da infância em que ele sofreu bullying na escola por ser negro e filho de pais adotivos.
O tema é muito importante para contribuir na formação do caráter dos pequenos cidadãos da plateia. Está abordado de forma singela, tocante, com delicadeza, como Milton – o Bituca – merece. Causou-me comoção observar o ator principal, Udylê Procópio, interpretar o menino Bituca com olhos marejados. Com carreira bem-sucedida de cantor, esse intérprete carismático não deixa o tom cair no pieguismo, não exagera na emoção, mas nos enternece toda vez que constatamos lágrimas paradas nos seus expressivos olhos. Puro encantamento. Uma interpretação contida e, ao mesmo tempo, muito potente na empatia que causa no público. Menos é mais, eis o que parece ser o lema de Udylê na pele de Bituca.
Grande sacada do texto foi criar um casal de coleguinhas da escola de Bituca, o menino Salomão (interpretado pelo próprio autor da peça, Pedro Henrique Lopes) e a sapeca garota Maricota (Aline Carrocino). Os dois personagens pontuam as ações, conduzem a história, enriquecem a dramaturgia. Pedro Henrique é sempre ótimo, canta bem, tem grande desenvoltura, é dono do palco, no sentido de demonstrar segurança o tempo inteiro. E Aline é um fenômeno, uma atriz incrível, expressiva em tudo o que faz, rica em nuances, engraçada na medida certa. A Maricota com que ela nos brindou é bastante crível, posto que é sempre um desafio para atores adultos fazerem personagens crianças sem caírem nos estereótipos, caricaturas e tatibitates.
Aline consegue, com louvor e nota dez, fazer uma personagem marrenta, mimada, malvada, preconceituosa – mas criança, sempre criança. Maricota rouba o caderno de letras de música de Bituca e o humilha na escola. “Olha só o caderninho do esquisitinho”, ela diz, com a crueldade exata das crianças.
Clivia Cohen dá um banho de criatividade nos cenários, adereços e nos figurinos. Não descuidou dos detalhes, talvez por saber que o universo barroco de Minas Gerais, no qual Milton cresceu, é feito justamente desses detalhes, muitos detalhes. É lindo ver a eloquência da fileira de bordados e fuxicos à beira do palco e nas roupas dos personagens. É impactante a agilidade da transformação dos vagões de trem em oratórios. A Minas da infância de Milton está toda lá no palco, de forma muitas vezes bem sutil, outras vezes mais óbvia, porém sempre eficiente.
A direção geral de Diego Morais teve também um casamento perfeito com a direção musical de Guilherme Borges. O repertório se ‘encaixou’ muito bem ao ritmo da fábula contada, sem ficar forçado. Na aula de Estudos Sociais, por exemplo, surge Ponta de Areia. Na hora do recreio, Bola de Meia Bola de Gude. E que belo dueto ouvimos na dobradinha de Caçador de Mim com Maria Maria. E tem muito mais: Nada Será Como Antes, Nos Bailes da Vida, Para Lennon e McCartney, Amor de Índio, Caxangá, Calix Bento… São arranjos novos, que dão viço a sucessos já muito antigos – outro trunfo da peça e do projeto todo. “As coisas têm o tempo que elas têm”, proclama a personagem Mãe Maria (Anna Paula Black). Sim, o tempo. Que a infância de Bituca dure muito tempo nos palcos, nos ensinando, com tanta música e poesia, que toda forma de amor vale a pena. O sentido da amizade, o valor da saudade e as fragilidades do amor pueril. Coisas da vida. Alegria e muito sonho espalhados no caminho. Juventude e fé.
Serviço
Local: Imperator – Centro Cultural João Nogueira
Endereço: Rua Dias da Cruz, 170, Meier, Rio
Telefone: (21) 2597-3897
Capacidade: 642 pessoas
Quando: Sábados e domingos, às 16h (dia 19/11 não haverá sessão)
Sessão extra: Dia 20/11, segunda-feira, feriado, às 11h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)
Duração: 55 minutos
Classificação: Livre
Funcionamento da Bilheteria: De terça a sexta das 13h às 21h. Sábado e domingo das 10h às 21h
Temporada: De 4 a 20 de novembro de 2017