Felipe Morales e Keli Freitas, o Beto e a Teca: a atriz se destaca no elenco, dosando humor e docilidade na história que encanta as crianças

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 23.05.2004

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Tem um quê de melancolia em cena

Crianças sentem medo, crianças precisam de amigos, crianças gostam de imaginar brincadeiras. Esses e alguns outros temas referentes ao universo infantil estão presentes na peça Beto e Teca, em cartaz na Sala Fernanda Montenegro do Teatro do Leblon. O texto do alemão Volker Ludwig, encenado duas vezes na década de 80, volta ao cartaz em nova montagem, dirigida por Renato Icarahy.

Beto e Teca são dois irmãos que dividem a mãe, o quarto e as brincadeiras. Os dois vivem em seu mundo particular até o encontro com Pedro, no parque de diversões. A partir daí, eles passam a conviver com uma realidade diferente: a do menino que se sente um estranho no meio da família que veio junto como segundo casamento do pai. Aos poucos, as três crianças vão quebrando as resistências iniciais e criando uma amizade que se mostra muito proveitosa para todos.

Cenário e figurino injetam agilidade e alegria à peça

O texto é simples, claro, e tem tudo para conquistar a simpatia do público infantil. Mas alguns fatores impedem essa comunicação imediata. Entre eles, um certo quê de melancolia que se arrasta por toda a primeira parte do espetáculo. Mais precisamente até a cena, muito divertida por sinal, em que Teca aparece com o rosto acoplado a uma televisão. E essa sensação de melancolia, que também pode Ser vista como uma falta de ritmo do espetáculo, parece um prenúncio de que a história terá um final infeliz – o que acaba não se concretizando.

Como Beto e Teca foi escrita em 1978, e como as coisas mudaram muito nas duas últimas décadas, talvez Icarahy, que além de diretor é responsável pela tradução do texto, pudesse ter feito alguns cortes para agilizar o espetáculo.

Na ficha técnica, há uma divisão curiosa. Enquanto as músicas, de Birger Heymann e Nelson Melin, e a iluminação, de Aurélio de Simoni, parecem reforçar o tom melancólico proposto pela direção, o cenário e o figurino vão na direção contrária, injetando uma certa dose de agilidade e alegria ao espetáculo. Sérgio Marimba resolve bem as passagens de interior e exterior, criando um cenário funcional, em que a cama beliche do quarto das crianças se transforma num recanto do parque de diversões. E Ney Madeira cria um figurino bastante colorido e contemporâneo para as crianças, em que as trocas se dão na frente do público, através de rápidas sobreposições de roupas.

Entre os atores, Keli Freitas, como Teca, tem atuação destacada. A atriz dosa bem o humor e a docilidade da personagem, criando uma menina sapeca e muito divertida. João Felipe Morales, como Beto, Rodrigo PantoIfo, como Pedro, e Guto Barcelos, pai de Pedro têm atuações equilibradas. Já Letícia Novaes, como a mãe das crianças, parece contaminada pela apatia de sua personagem. Aquela mãe tão passiva, que se recusa terminantemente a dar uma palmadinha nos filhos, parece um pouco fora da nossa realidade. Uma mãe com um mínimo de estresse certamente ficaria mais viva, mais engraçada e mais próxima daquela que a maioria das crianças tem em casa.

Embora Beto e Teca tenha uma produção muito caprichada, falta à peça, para que estabeleça uma comunicação mais vigorosa com a plateia, uma adequação aos anos 2000.

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