Critica publicada em O Globo
Por Rita Kauffman – Rio de Janeiro – 1985

Barra

Realismo para crianças, numa produção primorosa

Premiado com o Mambembe 84 nas categorias diretor, atriz, produtor, figurinos, e um dos cinco melhores espetáculos do ano, além de, recentemente, ter recebido o prêmio Molière de incentivo ao teatro infantil por Pinóquio, o Grupo Tapa começou a temporada de 85, no Teatro do Planetário, com Beto e Teca, de Volker Ludwig. É uma produção primorosa e impecável, resultado dos dez anos incessantes de trabalho do Tapa, tendo à frente Eduardo Tolentino de Araújo, sempre acompanhado por Renato Icarahy e Denise Weinberg. O Tapa cada vez mais se volta para o público infantil – vide seu Projeto Escola, agora estreando em nova etapa, com o Festival de Teatro Brasileiro, no Teatro Ipanema. E tem uma atuação decisiva na formação de plateias, trabalho pouco comum em nosso meio, no qual o imediatismo se sobrepõe a qualquer esforço a médio ou longo prazo.

Beto e Teca concretiza a proposta de mudança do Tapa: é um texto de Volker Ludwig – de que o grupo tomou conhecimento através do Instituto Cultural Brasil Alemanha – da moderna dramaturgia alemã realista para crianças. De Beto e Teca para os textos clássicos que já encenaram, em que a fantasia é a tônica, existe uma virada de 180 graus. A tradução e a adaptação de Renato Icarahy primam pela adequação ao universo brasileiro e ao nosso tipo de humor, com requinte. Icarahy, que estréia muito bem na direção, tira o partido máximo da estruturação dramática: as soluções encontradas para suprir as deficiências do Planetário, a direção dos atores e o espetáculo como um todo parecem indicar que Renato Icarahy tem um caminho mais definido de trabalho pela frente.

A história de Beto, Teca e Pedro é a de crianças como as de nossa classe média (de média para baixo), tolhidas pela limitação de espaço físico dentro e fora de casa e pelos padrões sociais de seus pais. E apresenta, claramente, o despreparo dos adultos para lidar com essas realidades e com seus próprios fantasmas. A amizade que se estabelece entre as crianças no palco as ajuda a exorcizar muitos de seus medos. Na plateia, as crianças têm a possibilidade de entender seu mundo interno e externo. Aos mais velhos, propõe-se uma coisa diferente: que tal observar o comportamento das crianças e incluir elementos da sabedoria infantil na solução de problemas do chamado “mundo adulto”?

O elenco de Beto e Teca, com exceção de Teresa Frota (a mãe), está entrando agora no grupo. Destaques especiais para as interpretações de Vera Regina (Teca) e Jairo Lourenço (Pedro), trazidos por Icarahy e Tolentino das aulas de teatro; Felipe Martins (Beto), de origem tabladiana, também realiza um ótimo trabalho. A competência de Nelson Melim (quem viu Piaf, lembra) está presente nos números musicais. Destacam-se a inteligência dos cenários de Ricardo Ferreira (um viva para a cama/escorrega/trepa-trepa e para o bueiro!), os detalhes requintados dos adereços de Olinto Mendes de Sá e o apuro dos figurinos de Lola Tolentino.