Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 12.12.1976

Barra

Beleléu resiste mesmo? (olha o play back aí!)

Na coluna do dia 20 de novembro, escrevi sobre a volta de Beleléu, peça que fez grande sucesso na temporada 73/74. Não tendo visto o espetáculo quando de seu lançamento original, mas tendo ouvido inúmeras observações positivas sobre o trabalho, escrevi: “Hoje, com a volta do espetáculo, poderemos avaliar se as qualidades alardeadas em 1973 pelo público e pela crítica permanecem intatas”.

E aí chega-se ao ponto que considero fundamental para a análise da validade de Beleléu existe mesmo: a falta de continuidade de um texto interessante e de uma montagem visualmente muito bonita provocada pelo uso do play back engasgou de vez na garganta do teatro infantil carioca.

É claro que o play back tem suas justificativas e os problemas de produção devem ser considerados. A falta de recursos econômicos não permite que se consiga manter, por uma temporada, a música ao vivo; e, ainda mais uma música com a mesma qualidade que pode ser obtida com o play back, se realizado por bons músicos e num bom estúdio. Há, além disso, atores mal preparados vocalmente, que não sabem cantar e que acabariam “derrubando uma cena”. São lógicas as justificativas para o play back. Mas o que acontece com os espetáculos (Beleléu é um exemplo) é tudo aquilo que o play back deveria evitar: as cenas são “derrubadas” exatamente pelo seu uso, e de nada vale a boa qualidade da gravação se o resultado teatral (objetivo final) se torna prejudicado (ou seja: de má qualidade).

No caso específico de Beleléu existe mesmo, de Ramon Pallut, é até surpreendente que isso não tenha sido observado pela direção conjunta de Ciro Negreiros e Nelson Luna: é surpreendente que não tenham percebido que seus atores ficam totalmente falsos a cada música que fingem cantar; que a letra das músicas não é bem ouvida pela plateia, e é surpreendente que não tenham captado que a quebra na encenação (a falsidade dos atores) e a quebra no texto (as letras não assimiladas) criam um distanciamento na plateia que só consegue ser minimizado pelo envolvimento causado pela beleza visual e pela interpretação viva e engraçada de Dona Agonia (Dina Flores), das bruxas enfermeiras (Gilson Cruz e Arthur Moura), da Aranha (Myriam Pérsia) e principalmente da Teresa das Trevas Cansada de Luta (Mário Roberto).

Stanislaw Ponte Preta aconselhava a todas as pessoas, em caso de curra inevitável: relaxe e aproveite. O mesmo se pode dizer para um elenco obrigado a trabalhar com playback: assuma sua cena e bote a voz para fora. Ensaie mil vezes a dublagem, mas não finja em cena. E se numa música houver um ou dois erros de dublagem será sempre mais lucrativo do que fazer errada uma cena inteira.

A destacar os expressivos trabalhos de Eduardo Coutinho (cenário), Arthur Moura (figurinos) e Aylton Escobar (música).