Cena de A Bela Adormecida, uma das surpresas da temporada: direção impecável, com raro lirismo. Foto Eugênio Reis

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 23.11.1996

 

 

 

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Maria Clara reafirma seu talento

Hors-concours, sob protestos, Maria Clara Machado chega a seu 25º texto para crianças em grande forma. Clara é, acima de tudo, uma grande contadora de histórias. A Bela Adormecida, peça em cartaz no Teatro tablado, é a prova viva de seu talento e generosidade.

Para os que pensam conhecer a trama, o melhor conselho é esquecer tudo o que já foi visto e se entregar às surpresas propostas pela autora. Tudo começa com a Rainha Cunegundes ameaçando sair de casa, porque, até o momento, não conseguiu dar um herdeiro ao rei. Mas o casal apaixonado trata de providenciar o bebê e nasce a princesa Florbela. No dia do batizado, não por esquecimento, mas por um problema doméstico – só existem no reino três pares de pratos, copos e garfos de ouro -, não convidam a fada Boca Imunda para a festa.

Boca Imunda lança sua maldição sobre a princesinha, que é salva pela fada Rubi, que transforma o decreto de morte num sono de 100 anos. Isto aconteceria numa história comum. Aqui, o personagem Tempo, a pedidos do príncipe Clorindo, diminui o prazo do feitiço e termina com as excursões turísticas ao reino que caiu no sono. Apenas toques de proximidade com a plateia, sem modernidades gratuitas.

Maria Clara coloca em seu enredo muitos personagens de apoio, criando tramas paralelas que só enriquecem a dramaturgia. Na direção, Cacá Mourthé, afinada com o texto, concebe um espetáculo divertido, mediando o tom da comédia com momentos de raro lirismo. Direção impecável, não só para atores como para o espetáculo como um todo.

A unidade da encenação se evidencia nos mínimos detalhes. Os cenários de Maurício Sette, formado por sete torres de aço, a princípio tomando todo o palco, se movimentam graciosamente assim que começa o espetáculo, criando diversos ambientes em módulos compactos ou se transformando em novos objetos em cena.

A iluminação de Cláudio Neves, sem muitas invenções pirotécnicas, cria os climas exatos de passagem grifados no texto. Os figurinos de Kalma Murtinho respeitam a fantasia usando com muito bom gosto vestimentas de simples coloridos para a corte e pedrarias e capas de adorno para o rei e a rainha. Exatamente como ficaram fixadas no imaginário de adultos e crianças. As coreografias de Ana Soares, completamente integradas à trilha cheia de ritmos de Ricardo Gilly, desprezam o passinho convencional do jazz, em movimentos de conjunto muito criativos.

No numeroso elenco, cada um cumprindo seu papel com enorme prazer, se destacam, nos personagens principais da trama. Fernanda Bastos como a rainha Cunegundes, cheia de tiques de humor, e André reis, como Rei Dagoberto, numa linha mais discreta, mas mesmo assim se comunicando bem com a plateia, Miriam Freeland, como a Princesa Florbela, tem bonita presença em cena. Um ótimo contraponto ao nada convencional pshique du rôle do Príncipe Clorindo, interpretado por Ricardo Conti. Fechando a história, Beth Shumacher é a fada Boca Imunda em marcante presença.

Contrariando o que dizem as especialistas nas obras de Maria Clara Machado, entre elas as fundadoras do Tablado Vânia Veloso, Eddy Resende e Silvia Fucs, que, aliás, figuram no espetáculo, citadas como fadas e princesas, Clara desta vez escreve uma peça para personagens femininos. E este é só um dos atrativos de A Bela Adormecida. O espetáculo, transbordando qualidade, é sem dúvida nenhuma, uma das melhores surpresas da temporada.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)