Teatro Infantil e Teatro para Crianças [01]

Viviane Juguero [02]

Barra

Existem alguns espetáculos destinados a todos os públicos, os quais se comunicam com as distintas faixas de idade por meio da pluralidade de percepções que seus recursos despertam, resultando em distintos níveis de comunicação. Na maioria das vezes, os bons espetáculos realizados para crianças, encantam pessoas de todas as idades, podendo acontecer de um espetáculo voltado ao público adulto, agradar às crianças por seu colorido, movimentação e musicalidade. No entanto, é preciso saber avaliar se essa realidade está em cena ou somente no texto do programa.

Alguns autores negam que tenham uma intenção a priori, ao construir uma obra, de fazer peças para uma idade determinada. Outros afirmam que em nenhum momento essa questão se coloca. No entanto, em algum momento essa obra de arte se torna um produto cultural pronto, acabado e autônomo. É inevitável então que se pense: a quem essa obra interessa? (NAZARETH, 2012. p. 32)

Questiono se os fatores que movem esse tipo de afirmação não são fruto, por um lado, do medo de ficar estigmatizado (rotulado como o artista para crianças, carregando o preconceito que essa distinção abarca) e, por outro, de criar excessivas subdivisões desnecessárias.

No caso da criança, não acho que seja uma questão de segmentação, mas sim de adequação e responsabilidade. Fora isso, existem tantas linguagens possíveis quanto o número de peças a serem escritas. Criança é ainda mais aberta que o adulto. Embarca na linguagem e no jogo propostos, se forem bons (LABAKI apud CARNEIRO NETO, 2003, p.26).

Por outro lado, diversos profissionais dedicados à infância têm declarado que a adequação da linguagem para as crianças deve partir de um diálogo com o universo infantil. Nesse sentido, o dramaturgo Ivo Bender relata como foi seu processo ao iniciar a escrita de peças para crianças:

Era preciso, supunha eu, criar histórias, ou peças de teatro, que partissem desse universo mágico, dentro do qual a criança se movimenta, com o qual a criança sonha e onde seu imaginário está imerso (2003, p. 168).

Ao aconselhar aqueles que pretendem escrever para crianças, afirma:

Eu tenho que entender um pouco da estrutura do texto dramático e fundamentalmente tenho que conhecer como funciona a cabeça de uma criança. E aí reside um outro problema do teatro infantil, porque normalmente esse público é formado por crianças em diferentes faixas etárias. É preciso encontrar um termo intermediário, que satisfaça esse público tão variado (2003. p. 180).

No mesmo sentido, Marco Camarotti alerta que o ponto de vista adulto não deve sobrepujar o da criança, sendo necessário priorizar a realidade infantil, criando um teatro no qual é a linguagem da criança e o seu ponto de vista que predominam e orientam todos os setores de sua realização (2005, p. 161):

Quando uma história corresponde a como uma criança se sente intimamente – que provavelmente não ocorre com nenhuma narrativa realista -, ela alcança uma qualidade emocional de “verdade” para a criança (BETTELHEIM, 2012, p. 327).

Essa qualidade de verdade não diz respeito ao fato de a criança confundir o que é real com o que é ficcional. Mas sim, ao fato de que partir de um íntimo envolvimento cognitivo, sensorial e emocional, a criança percebe que a sua relação com a obra é verdadeira.

As peças que apresentam narrativas adultas, repletas de discursos abstratos e conceituais, não podem ser compreendidas pelo pensamento infantil. Como a criança não tem condições de entender o que acontece e reivindicar uma adequação, a avaliação do trabalho é feita por outros adultos.

É na verdade um grande desconhecimento da criança e de tudo que a rodeia, acompanha e constitui o seu desenvolvimento que leva à produção de linguagens inadequadas e, portanto, repudiáveis (CAMAROTTI, 2005. p.10).

Um emissor adulto é avaliado por um receptor adulto. Assim, peças cheias de discursos moralizantes ou de conteúdos didáticos apresentados em textos abstratos podem agradar pais e professores. Mesmo em espetáculos não realistas, segundo Maria Lúcia Pupo, existem textos que utilizam referenciais adultos para criar efeitos cômicos, trazendo mensagens subliminares que não serão compreendidas pelo pensamento infantil.

A utilização de tal recurso, ao invés de fazer dessa dramaturgia uma produção que possa se endereçar a todas as faixas de idade, transforma seguidamente os textos teatrais infantis em uma mensagem que contém alusões passíveis de serem decodificadas apenas pelo indivíduo adulto (PUPO, 1991, p. 36).

Ao lado de espetáculos com mensagens e narrativas inacessíveis, existem algumas montagens que subestimam a criança e reproduzem sempre as mesmas fórmulas, incitando uma participação mecânica, na qual as crianças respondem a perguntas óbvias, geralmente incentivadas a gritar o tempo todo. Essa questão é de tamanha relevância para a área, que está presente nas discussões de artistas reiteradas vezes, há muitos anos, como quando a autora e diretora Maria Clara Machado declara que o que deseja e exige é sensibilidade e não histeria (1986, p. 19).

Machado defende que os espetáculos que fazem com que a criança participe o tempo inteiro, respondendo a perguntas com respostas claramente previsíveis, deixam sua mente tão ocupada em atender comandos, que não sobra espaço para a sensibilidade atuar. Quando a peça incita a essa participação desenfreada,

a criança toma a provocação como convite ao excitamento e esta participação tende imediatamente a continuar pelo espetáculo afora até criar um clima de histeria onde não mais as crianças sentem, ouvem ou olham a ação para compreendê-la, julgá-la e se identificarem com ela, mas tornam-se torcedores e não espectadores. E adeus verdadeira comunicação poética, linguagem dos sentidos, meios de cultura, de emoção e de prazer (MACHADO, 1986, p. 47).

Como pode esse tipo de trabalho contribuir para o desenvolvimento da autonomia de pensamento da criança e para o desenvolvimento de sua expressividade pessoal?

Nesse tema, é uma questão importante perceber como os pais ou educadores encaram o que seja participar ativamente de um espetáculo. Uma criança em silêncio ou se manifestando em alguns momentos em relação à cena demonstra um envolvimento profundo com o espetáculo. Sua mente, seus sentidos, todas as suas possibilidades de percepção estão entregues àquele acontecimento, em plena atividade.

A importância do envolvimento do adulto nos espetáculos para as crianças não está somente na escolha dos mesmos, mas também no acompanhamento da obra durante a apresentação. Infelizmente, em tantos anos de atividade teatral, muitíssimas vezes vi a mesma cena: um grupo de alunos assiste ao espetáculo. Acontece algo em cena que entusiasma a criança. Ela faz um comentário em voz alta, fala para o colega ao lado ou apenas se movimenta no lugar e é veementemente repreendida pela professora. Depois de deixar o aluno subjugado em sua cadeira, a professora volta a cochichar com a colega ao lado, com sua consciência tranquila, pois, na sua visão, aquela atividade é para entreter as crianças, e ela não precisa se envolver com isso.

Quantos equívocos! A repreensão de uma manifestação genuína da criança faz com que ela compreenda que é errado se expressar. É necessário refletir também sobre o excesso de silêncio que muitas vezes é exigido das crianças. Nem gritaria, nem repressão são os meios adequados de a criança usufruir de um espetáculo artístico.

Se um ladrão está sendo perseguido ou se o herói está em perigo, ou se o bandido está sendo castigado, naturalmente a criança vai demonstrar em voz alta suas emoções. O que não deve ser permitido é uma provocação gratuita dos atores para criar um ambiente de excitação (MACHADO, 1986, p. 47).

A melhor maneira de professores e pais promoverem uma boa conduta das crianças é dar o exemplo. No entanto, a professora que repreendeu o aluno, na descrição que fiz, não está prestando atenção e faz ruídos que atrapalham a concentração dos demais. Essas atitudes interferem na entrega da criança ao espetáculo e inviabilizam que ela perceba a real importância daquele acontecimento, já que o adulto é sempre um modelo para o pequeno aprendiz.

Essa posição da criança, de colagem discursiva ao outro/Outro coloca-nos, aos que trabalham com os pequenos, na extrema responsabilidade de nos perguntarmos sempre sobre o que estamos antecipando como possibilidades, como demandas e como sentidos para os filhotes humanos. Pois, se as crianças mais facilmente se colam ao outro/Outro, o que este lhes disponibiliza tem um impacto que não é de se negligenciar (MOSCHEN, 2011, p.93).

O envolvimento real do adulto com o acontecimento teatral é fundamental na percepção que a criança terá dessa vivência. Ao mesmo tempo, se o espetáculo for bom, será um momento de deleite também para os responsáveis e, se for ruim, possibilitará uma avaliação melhor em próximas oportunidades. A esse respeito, aponta Pupo que o adulto em geral possui também a prerrogativa de decidir quando levar a criança ao teatro e a qual espetáculo assistir (1991, p.19).

Existe um equívoco reincidente nesse sentido. Em certos casos, as crianças são submetidas a trabalhos de péssima qualidade, e os pais ou professores justificam com a declaração: “Mas eles gostam!” O que se esperava? Que as crianças nascessem com senso estético e apuro crítico? A esse respeito, Machado alerta que

criança é um público maravilhoso mas a gente deve tomar muito cuidado porque ela recebe tudo, não sabendo ainda discernir: se é dado coisa ruim, ela capta da mesma forma que as coisas boas. Por isso, é preciso fazer as coisas o mais bem feito possível, realmente o melhor, ainda mais porque as crianças não têm senso crítico. Criança é como radiografia, bate e fica (1986, p. 18).

A criança precisa ser orientada nesse belo processo, que deve lhe dar muito prazer e alegria e que, ao mesmo tempo, é fundamental na sua formação estética, emocional, cognitiva e social. O adulto precisa possibilitar que a criança tenha acesso a trabalhos de qualidade. Afinal, quem gosta do que não conhece? Nesse sentido, Grazioli expõe que

o ser humano precisa ser “educado” esteticamente para, desse modo, perceber e reagir perante as propostas estéticas do cotidiano, desfrutando da possibilidade de escolher os produtos culturais que desejar, tendo a garantia de o fazer dentre aqueles que realmente contribuam, de algum modo, para o seu crescimento (2007, p. 31).

O adulto não pode se eximir da responsabilidade de orientar e, para orientar, precisa se qualificar, ser um companheiro alegre e presente, tanto para apreciar um espetáculo, como para assistir a um filme, ler um livro ou escutar um CD. O envolvimento completo do adulto, em qualquer tipo de fruição artística, valoriza essa experiência para a criança. Pode-se aplicar ao teatro, o que diz Bettelheim sobre a leitura de contos de fadas:

O senso de participação ativa do adulto ao narrar o conto dá uma contribuição vital e enriquece muito a experiência que a criança tem dele. Isso acarreta uma afirmação da personalidade desta última por intermédio de uma determinada experiência compartilhada com outro ser humano que, embora adulto, pode apreciar integralmente os sentimentos e as reações da criança (2012, p. 219).

Certas vezes, pais e professores acreditam, erroneamente, que possibilitar que a criança escolha é uma maneira de respeitar a sua opinião. Nessas ocasiões, os trabalhos que reproduzem fórmulas fáceis têm diversas vantagens, pois as pessoas, em geral, e as crianças, em especial, têm a tendência de buscar o que já conhecem. Assim, as vantagens mercadológicas de reproduzir personagens e histórias de conhecimento da grande massa viabilizam uma probabilidade maior de retorno financeiro, o que faz com que esse tipo de iniciativa se multiplique de forma vertiginosa.

Se os adultos querem que a criança participe na escolha do espetáculo, podem oferecer a ela algumas opções que considerem adequadas. A segurança e a alegria com as quais os pais ou professores apresentarão as propostas às crianças é que determinarão a receptividade ao convite.

A falta de critérios de determinados responsáveis adultos, na escolha dos espetáculos para crianças, é o resultado de uma educação falha, no que concerne ao desenvolvimento da sensibilidade e da avaliação crítica. Ao verificar ocasiões nas quais peças sem qualidade são apresentadas às crianças, Machado questiona

onde estão os pais dessas crianças? Precisam ocupar seus filhos, dar-lhes qualquer coisa aos sábados e domingos. Também eles não tiveram nenhuma educação para o teatro e PENSAM que aquilo que dão aos filhos são coisas que realmente SÓ SERVEM para crianças, porque muito enfadonho e desinteressante (MACHADO, 1986, p. 46).

Nessa direção, refletir sobre as diferenças entre propostas que reproduzem fórmulas fáceis e propostas que procurem incitar a criatividade pode ser um dos critérios relevantes na avaliação artística e pedagógica dos espetáculos.

Os trabalhos que reproduzem fórmulas fáceis partem da lógica do desejo do universo capitalista, vendendo uma imagem idealizada que deveria ser alcançada por todos. Ao valorizarem a reprodução automática de personagens, narrativas, linguagens e movimentações, propiciam a padronização dos comportamentos, sufocando as autênticas expressões individuais. Desse modo, acontece um distanciamento do ato criativo, visto que o que importa é reproduzir o resultado final, criando uma multidão de réplicas, sem expressividade individual. Ao mesmo tempo, ocorre uma sensação de tristeza e impotência naqueles que não conseguem estar dentro do padrão imposto. As diferenças entre as pessoas aparecem em uma relação competitiva, na qual determinadas características são valorizadas, em detrimento de outras.

Na via oposta, as propostas criativas apresentam inúmeras possibilidades de transformação e convidam o espectador a participar sensorial, sensitiva e cognitivamente, despertando, dessa forma, a criatividade de cada um. Aqui, não existe o objetivo de provocar o desejo de atingir um resultado final pré-determinado. Nesse caso, o que importa é multiplicar as percepções da criação, resultando na desmistificação do “resultado ideal”. Assim, identificado com o processo criativo e não com a sua formatação final, o receptor é instigado a usar de sua própria criatividade. Dessa maneira, acontece a valorização da diversidade, possibilitando que cada um busque a sua expressividade pessoal, a partir de suas características individuais e da cultura de seu povo, sua família, etc. Portanto, as limitações são vistas ao lado das potencialidades, em um processo que propõe um permanente movimento de transformação, de forma colaborativa.

A necessidade de qualificação dos conhecimentos relativos ao teatro para crianças também está presente na academia, onde a ausência de estudos sobre essa forma específica de criação espetacular reafirma o status rebaixado do teatro para crianças em relação ao adulto. Considero fundamental explicitar essa discussão para que haja mudanças.

Em minha vida acadêmica, na graduação e na pós-graduação na UFRGS, nunca tive nenhuma cadeira que enfocasse a arte de realizar teatro para crianças. Onde está a preocupação artística na formação de trabalhos para crianças, visto que estudamos as mais distintas linguagens? Os professores da licenciatura, evidentemente, abordam o tema, enfocando o ensino, mas, e a qualificação para a composição estética? Apesar de reverenciar os conhecimentos que adquiri e adquiro nessa Universidade, não posso deixar de referir que também nesse espaço ecoa o lugar coadjuvante do teatro para crianças na área de estudos das Artes Cênicas. Afinal,

por que não se discute o teatro infantil nas escolas de formação do educador e nas escolas de formação do ator? Nenhuma faculdade de pedagogia ou de formação de atores inclui esse tema em suas discussões (NAZARETH, 2012, p. 57).

Por outro lado, o mercado de atividades lúdicas com escolas, nas últimas décadas, tem sido uma alternativa econômica, por vezes, perigosa. Multiplicam-se as pecinhas cujo custo de produção é irrisório e a qualificação da equipe é duvidosa. Segundo Nazareth, essa falta de profissionalismo e, mais do que isso, de ética, é um dos baluartes da estética perversa do teatro infantil (2012. p. 86).

Maria Clara Machado declara que

verdadeiros aventureiros se lançam ou se atrevem a fazer teatro para crianças, desconhecendo também as regras básicas para se fazer um bom espetáculo: produção e direção de atores quase sempre postas em segundo plano, cenas mal ensaiadas onde os atores, muitas vezes, apenas estão procurando sobreviver economicamente, sem se empenharem realmente nos papéis que representam (1986, p. 46).

Assim, certas produções de baixa qualidade reafirmam o preconceito de pensar que o teatro para a infância é uma arte menor, feita para “ensinar” alguma coisa de “útil” ou, na via inversa, um momento de pura descontração, sem nenhuma característica educativa. Determinadas práticas atuais fazem-me questionar a facilidade com que algumas pessoas decoram discursos artístico-pedagógicos que não aparecem no resultado estético de seus trabalhos. Infelizmente, em certos casos, os adultos responsáveis pelas crianças não estão preparados para avaliar e seguem reproduzindo o mesmo discurso, sem perceber que são palavras ao vento, sem nenhuma relação com o que aconteceu em cena.

A aparente facilidade do teatro infantil tem atraído muita gente que se inicia na arte teatral: “Já que não se consegue fazer teatro para adultos vamos fazer teatro infantil”… isto é, distribuição de balas, de revistinhas, de presentes, muita luz, gritaria, pancadaria, histeria e pronto! Neste caso não estamos desenvolvendo a sensibilidade. Estamos aumentando as doenças da sensibilidade. Estamos “apelando” e perdendo a maravilhosa oportunidade de desenvolver na criança a capacidade de captar, através do espetáculo, o mistério da vida (MACHADO, 1986, p. 65).

Pode parecer desnecessário afirmar que o teatro para crianças é arte e que precisa da mesma qualificação do que o teatro para adultos. Alerto, no entanto, que o preconceito ecoa de inúmeras formas nos trabalhos da área, seja pela aceitação de peças de péssima qualidade, seja pelo espaço secundário que os espetáculos para crianças ocupam nas pautas de casas de espetáculos profissionais.

A inexistência de um espaço próprio para as encenações tem acarretado múltiplas dificuldades para os responsáveis pelo teatro infantil, pois fatores essenciais na construção da significação do espetáculo, tais como os signos relativos ao cenário e à iluminação, entre outros, ficam condicionados às necessidades do espetáculo para adultos que costuma ter lugar no mesmo palco, durante a noite (PUPO, 1991, p. 39).

Por mais óbvio que pareça, ainda é necessário reafirmar que teatro para crianças é tão teatro quanto teatro para adultos. As exigências técnicas, formais e de produção são as mesmas, independentemente da faixa etária do público ao qual o espetáculo está destinado. Os profissionais qualificados para realizar teatro para crianças precisam ter o mesmo aprimoramento técnico que os atores, diretores, produtores, dramaturgos, figurinistas, cenógrafos e iluminadores qualificados para realizarem teatro para adultos. O fato de o espetáculo ser destinado a crianças, jovens ou adultos não é uma questão qualitativa, mas sim, uma questão classificatória. Ou seja, um espetáculo não é melhor ou pior por ser para crianças, para adolescentes ou para adultos.

Há muitos artistas e pesquisadores interessados na qualidade dos trabalhos artísticos destinados às crianças. Foi como uma reação à falta de qualidade e à negligência com a área, que profissionais seriamente dedicados à infância passaram a reivindicar a utilização do termo teatro para crianças e não mais teatro infantil, declarando que infantil é o público e não a obra. No entanto, essa não deixa de ser uma afirmação que traz consigo uma percepção pejorativa do termo infantil, ao procurar negá-lo. O artista e professor de teatro Marco Camarotti  afirma que

se levarmos em conta que uma denominação substitutiva como “teatro para crianças”, por exemplo, como querem alguns, possa por si só resolver a questão do tom pejorativo e minimizador que o adjetivo “infantil” infelizmente adquiriu em nossa cultura, estaremos sendo no mínimo ingênuos, pois que o problema que gerou  essa pejoração, a raiz desse mal, está na própria visão distorcida que a sociedade em geral e o homem de teatro em particular têm da criança e do que lhe é pertinente (2005. p.13).

Nazareth expõe que, etimologicamente, infantil tem, sabidamente, origem no latim infantile e infantil é o adjetivo que se refere a tudo que é relativo à infância (“próprio para crianças”) (2012. p. 84).

O Bando de Brincantes, coletivo de artes que coordeno, concorda que é necessário chamar a atenção para uma área que ainda é carente de reflexão. A opção por utilizar prioritariamente a expressão teatro para crianças é uma maneira de dar visibilidade ao assunto, suscitando novas discussões que resultem em ações afirmativas para a área.

Seja classificando como teatro infantil ou como teatro para crianças, o importante é afirmar que os espetáculos para a infância devem ser uma expressão das Artes Cênicas, realizada com o mesmo rigor estético que qualquer outra obra destinada a diferentes públicos. A responsabilidade pedagógica precisa andar de mãos dadas com a diversão e a alegria. Realizar ou escolher um bom espetáculo para as crianças é também um gesto de amor.

Um espetáculo de teatro bem feito é um estímulo inesgotável para a sensibilidade da criança. A emoção artística leva a criança a um mundo de fantasia e de sonho que corresponde ao que busca sua alma em desenvolvimento. Num espetáculo bem feito há perfeito entendimento entre os anseios ainda desconhecidos da criança e a realidade inexplicável do mundo misterioso que a rodeia. O mistério teatral é justamente esta identificação profunda de cores, ritmos, música, movimento e palavra com a alma do espectador. Antonin Artaud diz que teatro é poesia em movimento no espaço. O público espera este momento de poesia. E que público mais capaz, mais pronto pra captar esta poesia solta no espaço que a criança? (MACHADO, 1986, p. 63)

Bibliografia

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

CAMAROTTI, Marco. A linguagem no teatro infantil. Recife: UFPE, 2005.

CARNEIRO NETO, Dib. Pecinha é a vovozinha! São Paulo: DBA. 2003.

GRAZIOLI, Fabiano Tadeu. Teatro de se ler: O texto teatral e a formação do leitor. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2007.

MOSCHEN, Simone. “A infância como tempo da iniciação à arte de produzir desobjetos”. O infantil na psicanálise: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 40, p.89-98, jan./jun. 2011.

PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. No reino da desigualdade: Teatro infantil em São Paulo nos anos setenta. São Paulo: Pespectiva, 1991.

SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos; BENDER, Ivo (entrevista). Criança, teatro e dramaturgia. In: JACOBY, Sissa (Org.) A criança e a produção cultural – Do brinquedo à literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. p. 161-182.

Notas

[01]Capítulo presente na dissertação de mestrado de Viviane Juguero, intitulada “Bando de Brincantes: um caminho dialético no teatro para crianças”, defendida no PPGAC/UFRGS, sob a orientação do Prof. Dr. João Pedro Gil. Para fazer download da dissertação completa, acesse o link http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/97657

[02]Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, sob a orientação do Prof. Dr. João Pedro Gil.

[03]No livro A criança e a produção cultural – do brinquedo à literatura, em entrevista concedida à professora Vera Lúcia Bertoni dos Santos