O terceiro capítulo da dissertação “Bando de Brincantes: um caminho dialético no teatro para crianças”, de Viviane Juguero, apresenta discussões sobre opções estéticas, éticas e pedagógicas, a partir da análise de três espetáculos do Bando de Brincantes, desenvolvendo reflexões sobre a criação de arte para crianças.
No site do CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude), a análise dos espetáculos será publicada em três meses consecutivos, cada um enfocando uma peça [01]. Conforme a linguagem utilizada na dissertação, o texto a seguir está em primeira pessoa, visto que a autora apresenta reflexões sobre um trabalho pessoal.
Canto de Cravo e Rosa: dialética da diversidade
Cravo todo apaixonado,
Para Rosa, a sua flor,
Dedica, em verso afinado,
Sua declaração de amor.
Ele de terno e gravata,
Ela, um pouco encabulada,
Feliz e maravilhada,
Com tão bela serenata. [02]
A proposta artístico-pedagógica do Bando de Brincantes é construída em um caminho dialético entre criação e reflexão. Os espetáculos são elaborados com a participação criativa de todos os envolvidos. No decorrer do processo, conforme a necessidade, surgem conversas sobre adequações artísticas, filosóficas e pedagógicas, naturalmente, fazendo com que todos os aspectos da criação venham ao encontro da concepção central de cada obra.
O trabalho do Bando de Brincantes não segue uma hipotética cartilha com as normas que regem o universo poético. Procura vivenciar os multiversos possíveis, com o coração aberto e a mente alerta, em um diálogo permanente com o universo infantil e a cultura popular.
Canto de Cravo e Rosa foi criado a partir de cantigas de roda e de manifestações da cultura popular brasileira. Em 2002, comecei a escrever a primeira versão do texto, a partir de uma pesquisa que iniciou em 1999, como relatei em Traços e trajetos [03]. Depois de alguns encontros com a atriz Débora Rodrigues, construí uma contação de histórias que apresentei sozinha, em 2003, com o Cravo e a Rosa em bonecos de pano e uma aranha de luva, feitos à mão, por mim mesma. A história dos materiais artesanais do Bando inicia aí.
A partir dessa experiência, do estudo estrutural da narrativa fabular popular e de aprendizagens sobre o universo infantil, no contato direto com as crianças, em sala de aula, reescrevi o texto várias vezes, até chegar à versão aprovada no projeto do FUMPROARTE. Nesse momento, a proposta já estava bastante amadurecida, devido aos estudos do diretor Jessé Oliveira sobre o universo popular brasileiro.
O trabalho foi dirigido por um diretor negro, contando com um elenco majoritariamente afrodescendente. A força dessa imagem era uma proposição consciente a partir da importância de as crianças do povo brasileiro poderem se identificar com os artistas que estão no palco. Essa fala imagética sempre soou eloquente e enfatizou a relação de nossa vivência real com o comprometimento que temos com a diversidade.
A encenação, concebida por Jessé Oliveira, é repleta de acrobacias, e a música é executada ao vivo pelo elenco, seja enquanto personagens na cena ou enquanto atores em atitude cênica. As acrobacias são coerentes com as movimentações dos personagens e não números de demonstração virtuosística. As músicas estão a serviço da cena, integradas na dramaturgia que criei, como pontua Grazioli (2012):
O texto em questão, de maneira geral, remete o leitor ao universo popular, pois a cada cena percebemos referências a cantigas e brincadeiras folclóricas. Tais cantigas, além de influenciarem na criação do clima poético das cenas, são utilizadas pela autora de modo a se tornarem fundamentais para o desenvolvimento da ação dramática, isso porque, em diversos momentos, os versos dessas cantigas se tornam diálogos (que em cena, na montagem do texto, serão falados ou cantados pelos personagens), recurso que influencia diretamente no desenvolvimento do enredo (2012, p. 06).
Ao mesmo tempo em que a música é parte da ação dramática, distintas sonoridades compõem a trilha sonora e a sonoplastia, contribuindo para a construção das diferentes atmosferas. Diego Ferreira, em crítica publicada no blog Olhares da Cena [04], comenta:
Viviane consegue um verdadeiro milagre dramatúrgico, pois ao mesmo tempo que pode parecer fácil construir um roteiro deste, justamente pela simplicidade que ele apresenta, penso que foi uma tarefa difícil, pelo fato de que a narrativa se ajusta muito bem às canções escolhidas e apresentadas em cena. Percebo que se teve realmente uma preocupação desta ligação entre a história e a utilização das canções, pois não se tem simplesmente uma narrativa e um amontoado de canções aleatórias sem sentido, em cena. Temos uma construção sensível e muito bem pensada e amarrada.
O espectador acompanha uma história linear, com início, meio e fim, conduzida pelo texto dramático. Por outro lado, o texto performativo [05] revela os procedimentos teatrais, relativizando a ilusão. Os atores estão em cena o tempo todo, executam as mudanças de personagens ou agem como intérpretes em atitude cênica quando estão nas laterais da cena. Nesse momento, os artistas tocam instrumentos, colocam novos adereços, tudo em frente ao público, abertamente. Os atores representam mais de um personagem, revelando técnicas de construção da cena e as diferenças de interpretação, resultantes de um mesmo ator representar vários personagens, sem procurar dissimular esse fato. Somente a atriz que interpreta Dona Aranhosa atua nesse único papel, no desenrolar da trama, apesar de também sair da personagem, em alguns momentos, como os demais.
Assim, as crianças são convidadas a acompanhar a narrativa, mas, ao mesmo tempo, reconhecem o simulacro, com os procedimentos próprios da arte teatral, ampliando os níveis de percepção. Além de a criança ter de se situar entre realidade (estou em uma sala de teatro) e ficção (o que acontece no palco é fruto da imaginação), deve reconhecer e construir significados a partir da relação metateatral, pois a peça desnuda os procedimentos da construção cênica.A utilização e a não utilização das máscaras possibilitam um jogo entre ator-personagens-público, pois há personagens que utilizam máscaras e outros que não fazem uso delas.
O grande mérito da produção é o de não subestimar a inteligência do público, pois grande parte das produções dirigidas aos pequenos, quase sempre caem em uma situação de, ou tentar passar de maneira forjada uma “mensagem”, ou de ser “extremamente didática”, ou seja, ao invés da criança ir ao teatro, assistir a uma peça, feita por atores, curtir um programa cultural, parece que a criança está numa sala de aula, frente ao professor, e um professor chato, diga-se de passagem. (…) Felizmente não é o que acontece neste “Canto de Cravo e Rosa”, extremamente criativo, poético, bonito e muito bem produzido em todos os aspectos (FERREIRA, 2009).
A diversidade de linguagens artísticas desafia os sentidos e as percepções das crianças que relacionam as distintas artes na construção teatral, participando ativamente na decodificação cognitiva e na elaboração sensorial de todos os estímulos. Música, circo, literatura, artes visuais e dança estão entrelaçados no desenvolvimento dessa dramaturgia [06].
Antônio Hohlfeldt, em crítica publicada no Jornal do Comércio, em 30 de agosto de 2009, comenta:
Não sei o que mais me encanta neste trabalho: se a boa ideia do enredo, de Viviane Juguero; se a direção eficiente de Jessé Oliveira, que escolheu a dedo cada um dos intérpretes (e não deve ter sido fácil, diante das necessidades que se tinha pela frente). Os instrumentos são variados, o espaço cênico de Élcio Rossini, embora deixe a cena aparentemente vazia, sublinha a idealização de uma teia de aranha em que Ana Cláudia se desdobra em manobras tentaculares. Por fim, os coloridos figurinos de Raquel Cappelletto e as lindíssimas máscaras de Sayô Martins: tudo isso faz de Canto de Cravo e Rosa um espetáculo de exceção, em que tudo é bem cuidado, como a excelente preparação vocal de Marlene Goidanich, a coreografia bem desenvolvida, o preparo de ginástica e malabarismo de todos os atores, e assim por diante. (…) Tudo está, enfim, nos seus lugares; cada movimento está medido e calculado, levando o ator justamente ao lugar em que deveria estar; potência de voz, entrada das músicas, conjunto na dança e no canto – eis aí um espetáculo verdadeiramente diferente, que atesta, uma vez mais, o detalhismo que Jessé Oliveira costuma dar a todos os seus trabalhos.
A fábula acontece em um jardim, no qual todos os bichos e plantas estão em harmonia. Na percepção de Diego Ferreira,
quando a peça inicia vemos os atores entrando em cena neutros, colocando-se no espaço cênico, para logo em seguida, acordarem de modo bastante teatral e adiante comporem a imagem de uma centopeia através dos corpos dos atores e uma máscara. Esta imagem de imediato já me conquista, me alertando para o que viria em seguida. E o que veio foram sucessões de imagens de imensa beleza, cantos e canções de arrepiar a alma e uma sucessão de acrobacias precisas. (2009)
Nesse jardim, a música é a atividade que mais encanta a todos, e o Cravo e a Rosa são os cantores prediletos, já que, inspirados pelo amor que os une, cantam juntos belas canções. No entanto, a venenosa Senhora Aranhosa pretende tomar todas as atenções para si e ser o grande astro musical do local. Para impedir que a Rosa e o Cravo sigam cantando juntos, resolve fazê-los brigar e inventa uma intriga para acabar com o namoro deles. A Aranha engana o Sapo guloso. Ele acredita que se pedir um beijo à Rosa ficará impregnado com seu perfume e atrairá insetos para suas refeições, sem ter de fazer nenhum esforço. O beijo e mentiras da Aranha provocam a maior confusão, envolvendo todos os outros moradores do jardim.
Como na canção O Cravo brigou com a Rosa, o Cravo desmaia de desgosto, resultando na tristeza geral do jardim. Até a Senhora Aranhosa fica triste, pois, por ser desafinada, não alcança nenhum êxito em seu canto. Ela está tão entusiasmada com a perspectiva de seu sucesso pessoal que nem repara a sua dificuldade em cantar. Ao final, a Rosa desperta o Cravo, com um beijo, cantando Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhante para o meu amor passar. O Cravo pede desculpas à Rosa e todos acabam admitindo seus erros, inclusive o Senhor Sapo e a Aranha. O jardim retoma a sua harmonia e todos festejam a alegria da diversidade, ao reconhecerem as distintas habilidades que cada um tem [07].
Ao final, as intrigas são esclarecidas e o que fica é que cada ser é diferente de outro, cada um tem habilidades diferentes e através desta diversidade é que construímos uma sociedade que valoriza as diferenças. (FERREIRA, 2009).
Bruno Bettelheim (2012) insiste na importância do final feliz das narrativas, afirmando que é um recurso psíquico valioso para que os pequenos tenham esperança em vencer os desafios que são apresentados a eles. Embora respeite opiniões diversas, em minha dramaturgia procuro incitar o pensamento crítico, mas, ao mesmo tempo, faço incidir uma generosa luz no amanhã, visto que a realidade já é, tantas vezes, bastante adversa.
O espetáculo é encerrado com os atores, despidos de qualquer personagem, cantando um poutpourri de cantigas de roda, relembrando a forma alegre com que são encerrados diversos folguedos folclóricos.
Marcelo Spalding [08], no site Artistas Gaúchos, apresenta a seguinte apreciação do espetáculo:
Viviane Juguero, a dramaturga, e Jessé Oliveira, o diretor, conseguem mesclar cantigas, música popular brasileira e muita acrobacia com uma narrativa instigante e universal, usando como mote as intrigas de uma aranha para separar o Cravo e a Rosa de seu jardim por invejar suas belas vozes. O texto não subestima as crianças, sem medo de ser triste, de usar palavras “difíceis”, de recorrer a monólogos e trocadilhos, e também não evita fechar com uma “moral da história”, valorizando a diversidade como muito mais importante que a fama ou o talento individual. Mas é no intertexto com cantigas populares como “O Sapo não lava o pé”, “Marcha Soldado”, “Ciranda Cirandinha”, “Escravos de Jó”, “Mulher Rendeira” e, claro, “O Cravo brigou com a Rosa”, que se constrói a narrativa, e o grande acerto de Viviane foi costurar música e narrativa de forma que ambos se completem e levem a história adiante, sem referências forçadas nem prejuízo para o interessante conflito que se desenha em cena.
A dialética da diversidade de linguagens expressivas que compõem o espetáculo é evidente também no processo de criação. Desde o princípio, a diversidade era vivenciada em todos os momentos da construção, das mais diversas formas. É interessante relatar que a fala que festeja a diversidade, encerrando o espetáculo, surgiu somente algumas semanas antes da estreia, como resultado natural de um processo dialético em que a prática invadia e elucidava a reflexão:
– Todo mundo tem talento,
também tem dificuldade.
Cada coisa em seu momento,
com problema e qualidade.
Ninguém é igual na vida,
eis aqui uma verdade.
Mais bonita e colorida,
é a nossa diversidade.
A mensagem é apresentada em uma ação dinâmica, evitando discursos em tom impositivo e criando uma identificação que revela a importância de cada um reconhecer a beleza de ser quem realmente é.
O texto, aprovado no projeto inicial, foi reescrito diversas vezes a partir das improvisações dos atores nos quatro meses de ensaios comandados por Oliveira. O diretor queria que cada artista potencializasse ao máximo suas habilidades na construção de cada personagem. Esse processo parece ter ecoado na cena, pois Diego Ferreira o refere em sua crítica.
Quanto à direção do Jessé, penso que ele consegue tirar o melhor de cada ator, ou seja, consegue que o elenco seja preciso, coeso e que transpareçam em cena uma alegria e energia que contagia a todos, somando a isso muitas doses de criatividade característico do diretor. (2009)
Se de um lado, as habilidades eram aproveitadas, de outro, todos deviam enfrentar desafios e descobrir possibilidades novas, em um processo generoso e colaborativo entre os colegas. Rodrigo Marquez conta que
uma das contribuições que esse espetáculo também mais me trouxe na época do seu ensaio, foi a da DIREÇÃO COLABORATIVA. Nada a ver com direção coletiva. No nosso caso, o diretor Jessé teve que viajar em diversos momentos para outro Estado para dirigir outro espetáculo paralelamente e nos deixava tarefas. Ficávamos às vezes uma ou duas semanas trabalhando sozinhos em cima do material que tínhamos do texto dramatúrgico e dos exercícios e ideias deixadas pelo diretor. Quando ele retornava, mostrávamos o que tínhamos feito e criado, e ele pegava aquilo e ressignificava para manter uma coluna vertebral da peça. E pelo tudo que ficou na peça, nota-se que fomos num caminho certo como atores colaborativos com a concepção da direção. Havia um bom diálogo entre nós.
O processo colaborativo era diário. Ao mesmo tempo em que o elenco tinha dois acrobatas, Ana Cláudia Bernarecki e Éder Rosa, tinha também uma outra atriz, com dificuldades corporais, por ter um problema no joelho desde a infância e que, depois de cirurgia feita aos 21 anos, não se considerava capaz de aprender algo além de uma cambalhota. Essa atriz, nessa época com 30 anos, era eu e, graças às técnicas do diretor e ao apoio dos colegas, na estreia, eu já fazia diversos movimentos acrobáticos, inclusive uma segunda altura [09] em movimento, o que considerei uma grande conquista.
O elenco tinha pessoas com e sem formação acadêmica, com diversas formações empíricas. Os artistas tiveram que desenvolver e aprimorar o trabalho vocal, a partir das aulas com Marlene Goidanich. Nesse sentido, eu apresentava maior domínio técnico, contribuindo com meus conhecimentos para o treinamento da equipe. Éder Rosa comenta:
No espetáculo Canto de Cravo e Rosa as minhas dificuldades começaram a aparecer nas aulas de técnica vocal com a professora Marlene Goidanich. Eu tinha dificuldade pra achar a minha afinação e minha projeção vocal. Isso me deixava chateado. Outra dificuldade que eu encontrava no espetáculo era fazer vários saltos acrobáticos e dar textos, sem perder o ritmo.
O espetáculo Canto de Cravo e Rosa foi o primeiro espetáculo para crianças que eu fiz. Quando eu fui convidado pelo diretor Jessé Oliveira para fazer o personagem Sapo, nem imaginava que seria divertido e, ao mesmo tempo, seria difícil, porque fazer teatro pra crianças exige uma doação muito especial.
Canto de Cravo e Rosa foi um processo de alegre entrega e superação, pois o artista acima, que reconhece as dificuldades do processo, é o mesmo que obtém o reconhecimento abaixo:
Éderson[10] me ganha pelo seu apuro técnico, perfil acrobático e precisão. A cena em que o sapo dorme é muito engraçada, um dos pontos altos do espetáculo (FERREIRA, 2009).
Hohlfeldt afirma que é
um elenco de primeiríssima qualidade, não apenas do ponto de vista de suas interpretações, em sentido estrito, quanto de sua variada potencialidade, porque todos interpretam, tocam instrumentos musicais, cantam e dançam (2009).
A trilha sonora, executada ao vivo por todo o elenco, partia das habilidades de cada um. A maioria dos artistas já tocava algum instrumento e todos tinham uma musicalidade satisfatória para o aprimoramento dentro do processo. Com base na escuta de materiais iniciais criados pelo elenco, o diretor musical Toneco da Costa compunha os arranjos, propondo desafios muito prazerosos. A beleza das sonoridades que criava fazia com que o treinamento fosse sempre uma alegria a cada conquista na execução musical. Para Toneco da Costa, os processos de criação do Bando de Brincantes apresentam muitas conversas, reconhecimento e experimentação musical, troca de ideias, novas propostas e uma simpática, leve e gostosa liberdade criativa!
Essa experiência ocorreu com todos os artistas da equipe técnica. Todos assistiam aos ensaios, criavam os materiais a partir do que tinham visto, e esses materiais intervinham diretamente na atuação, em um processo dialético da diversidade criativa. As máscaras de Sayô Martins resultaram em distintas movimentações corporais, assim como os figurinos de Raquel Cappelletto. O cenário de Élcio Rossini incitou a criação de diversos movimentos acrobáticos, em especial, da Senhora Aranhosa, interpretada pela atriz Ana Cláudia Bernarecki. Como dito em capítulo anterior, Ricardo Machado assistiu aos ensaios para criar os desenhos, primeiramente para o material gráfico e, a seguir, para o livro, sendo os mesmos inspiradores de momentos das rubricas versadas, as quais criei, a partir de tudo isso, em um diálogo poético com o escritor Jorge Rein.
Essa teia, que unia a toda a equipe durante a criação, era formada por fios ideológicos, artísticos e emocionais, já que todos acreditavam na importância dessa realização.
Em tempos de peças que propõem o uso de personagens da TV e outras adjacências da cultura pop, trabalhar com cantigas de roda, poesias, histórias do imaginário popular contadas há anos e que passam durante gerações de famílias, é o mais importante para formar um indivíduo crítico e sabedor do que é arte e cultura para sua história de vida. E trabalhando com plateias recheadas de crianças, atingimos também os pais e avós que os acompanham tornando, muitas vezes, a reflexão em família um aprendizado sobre o mundo e como se desenvolver numa perspectiva sócio-educativa nele.
Rodrigo Marquez
Acredito que o trabalho do bando se fortalece e se destaca muito por ter um acompanhamento reflexivo e pedagógico ao redor do fazer artístico. Dentro da formação esse tipo de trabalho é muito importante e valioso, a arte abre uma porta que permite ensinar e aprender através da emoção e acredito muito que somos movidos, motivados pelas emoções. Quanto mais prazeroso e instigante for o momento do aprendizado mais verdadeiro ele será.
Ana Cláudia Bernarecki
Quanto ao meu envolvimento com o trabalho, a descrição apresentada por Ferreira, diz que
não poderia deixar de falar de Viviane Juguero , que imprime uma emoção ímpar a sua Rosa, lógico por ser uma boa atriz, mas também pelo fato de ela ser uma das mentoras do projeto, ficando evidente que ela faz o que faz, movida pela paixão, pelo amor que tem em se dedicar aos pequenos, e isso transparece no palco, alegria que contagia a todos, viva, presente, além de cantar muito bem, principalmente na canção “Como pode um peixe vivo”, acompanhada do trompete da atriz Ana Claúdia Bermarecki, é lindo demais! (2009)
No que concerne ao público, o espetáculo tem um excelente resultado na relação com crianças e adultos, os quais cantam, emocionados, as canções de suas infâncias e sempre ficam curiosos sobre aquelas que não conheciam. É ainda Ferreira quem diz:
Pude presenciar um belo espetáculo, e nem vou me dedicar aqui a rotular o espetáculo de teatro infantil, pois trata-se de uma produção dirigida, lógico às crianças, mas pelo tratamento dado a ele e com o destaque dado às canções folclóricas do imaginário popular, acaba agradando em cheio a todas as idades, me peguei em vários momentos cantarolando algumas canções.
Como todo o processo tem o seu contraponto, o ator Maico Silveira, que fez parte do elenco em 2007, 2008 e 2011, ao assistir o espetáculo, em apresentação realizada em 2009, pontuou diversos aspectos que, em sua opinião, deveriam ser aprimorados. Com certeza, artista apaixonado que é, sempre com o intuito de contribuir, o que efetivamente fez por esse trabalho. Suas sugestões são permeadas de elogios para a peça, encerrando o texto com uma observação que considero de fundamental importância no trabalho do Bando de Brincantes:
Agora, se eu pudesse deixar aqui registrado o pitaco oficial deste que fez parte do processo de criação do espetáculo e tem muito orgulho do que viu como público, eu diria que, principalmente nesta peça, fazer teatro é brincar. Uma imagem, um gesto, uma intenção… tudo pode ganhar dimensões diferentes somente a partir da brincadeira. O espetáculo é uma cantiga, os atores estão (quase) em roda, e se a necessidade básica for a de se divertir, o resto (amadurecimento dos personagens, nuances, precisão) será consequência dessa diversão.
O mais importante é que o espetáculo avança, cresce cada vez mais. Olhando de fora, sinto aquela sensação de recompensa que temos quando olhamos para traz e vemos a linda história da qual fizemos parte [11].
Já o crítico teatral Rodrigo Monteiro apresentou um comentário em seu blog [12], no qual dizia:
Tudo mais são lugares para onde nos levam a linda voz de Viviane Juguero, o lindo violão de Diego Neimar e todas as cantigas de roda interpretadas como parte e nunca como todo ou adendo. A proposta de recuperação dessas canções, muitas já esquecidas, é um bem pelo qual agradecemos, parabenizamos e aplaudimos.
O escritor Bruno Brum Paiva [13] também se manifesta sobre a peça:
A roda da cantiga mergulha no imaginário. O ambiente é lúdico. A leveza da flauta substitui o aroma matutino. Os bichos estão soltos no olhar de cada instinto. Alguém chama, dá o tom, bota a engrenagem a funcionar e a pequena floresta alvorece lentamente. O vaga-lume belisca as plantas como se fosse um beija-flor. O grilo acorda, a aranha tece, o cravo se faz presente, a rosa exala. E o canto encanta o desfilar cântico de nossa infância. Todos se veem na construção daqueles valores um tanto inocentes e nem por isso ingênuos. Pais disfarçam ao cantarem para os filhos aquilo que cantam para si mesmos. Canto de Cravo e Rosa, o último trabalho de Vivianea Juguero em temporada no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre, coloca-nos no quintal de casa, uma casa povoada de palavras, versos, cantigas, medos, curiosidades e muita vontade de resolver um conflito.
Selecionei, também, alguns comentários publicados na Internet para representarem as percepções do público.
Apreciamos muito o CANTO DE CRAVO E ROSA. Belo trabalho! Queria levar meu neto, o Lorenzo, (três anos) mas não deu. Tenho certeza que seria mais um a sair encantado pelo espetáculo. Levei um casal de amigos que se impressionou com a interpretação do ator que fez o personagem do sapo[14]. Vocês todos são bons e transmitem paixão pelo que fazem. Bom trabalho e boa luta. Um abraço, Olívio Dutra.[15] Amamos o trabalho de vocês! Durante a apresentação já pude perceber o quanto as crianças estavam encantadas! O espetáculo foi muito apreciado. Ainda está sendo assunto e motivo de pesquisa de canções e brincadeiras conhecidas pelas crianças e suas famílias! As crianças fizeram releituras através das artes plásticas e da expressão corporal e nos encantaram com a riqueza de detalhes que ficaram dos afetamentos que resultaram desta experiência! As canções apresentadas foram tantas, que ficou difícil resgatar tudo. Seria possível enviar-nos a relação de todas as canções apresentadas no espetáculo?
Obrigada a todos!
Um abraço de todos nós! Vânia Maria PaganelaMuliterno (Prof. da Sec. Municipal de Educação de Porto Alegre) [16]
Parabéns pelo belo espetáculo! Sucesso!!! Vida longa!! Assisti ontem com minha bebê de 3 meses… Curtimos demais! Lindo, delicado, gostoso de ver, ouvir…e deve ser uma delícia fazer!
Simone Telecchi (atriz do Grupo dos Cinco de Porto Alegre) [17]
Olá queridos atores!
Assistimos a peça e adoramos. A peça é para pais e filhos, pois juntos com os pequenos, nós pais podemos relembrar a infância através das cantigas. A peça é muito bonita.
Parabéns a todos! Já indicamos a vários amigos.
Um abraço a todos!
Márcia Lutz (mãe de Miguel Ângelo de Castro)[18]
Olá..assisti a peça ‘o canto do cravo e a rosa’ e achei espetacular! O trabalho perfeito e feito com amor, muito lindo minhas filhas amaram.. Até hj lembram do dia da peça.. ficou na memória pois prendeu a atenção delas o tempo todo. Será que não haverá mais apresentações desta peça? Trabalho com educação infantil e com certeza seria uma ótima indicação. Gostaria de assistir novamente, pois encantou ate a mim e a vovó que acompanhávamos as crianças. Foi muito bom. Trabalho de qualidade deve ser reconhecido..por onde vcs, andam??? Abraços
Katia Cristiane Johner (Pedagoga e especialista em Ed. infantil) [19]
A partir da experiência de Canto de Cravo e Rosa, o Bando de Brincantes utiliza, efetiva e afetivamente, todos os recursos de que dispõe para festejar, promover e vivenciar a diversidade em todos os sentidos, com todos os sentidos.
[01] Na dissertação original há um pequeno texto introdutório geral, no início do capítulo Multiverso. Devido ao formato dessa publicação, aqui, ele foi resumido e readequado no corpo do texto sobre a peça. Para fazer download de todo a dissertação basta acessar o link http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/97657
[02] Rubrica versada do livro Canto de Cravo e Rosa de Juguero (ver referências). .
[03] O processo de criação de Canto de Cravo e Rosa foi descrito no referido subcapítulo, o qual foi publicado no site do CBTIJ no mês de abril de 2016.
[04] Publicado originalmente no Blog Válvula de Escape, em 04 de novembro de 2010. Fonte: http://olharesdacena.blogspot.com.br/search/label/CANTO%20DE%20CRAVO%20E%20ROSA%20%28RS%29 (acesso em 23 de dezembro de 2013).
[05] Os estudos de Josette Féral(2004) expõem que o texto dramático é a obra literária escrita em linguagem teatral e o texto performativo é o discurso de todos os elementos da cena no momento da representação: a entonação de voz e a expressão corporal, os figurinos, cenário, iluminação, trilha sonora, enfim, a transformação de todos os signos presentes em cena e de suas relações.
[06] Concebe-se a dramaturgia do espetáculo como algo construído na relação dos elementos teatrais como um todo (BARBA, 1995; PAVIS, 1999; UBERSFELDT, 2010), onde a união do jogo do ator, da luz, cenários e figurinos são fundamentais na construção do discurso da cena. A esse respeito, Féral afirma que o texto literário é apenas mais um dos componentes que constroem o discurso da cena (2004).
[07] No final da dissertação, todo o texto da peça foi publicado, com descrição da montagem realizada pelo Bando de Brincantes junto com muitas fotos do espetáculo. Também é possível fazer download do livro no link http://www.bandodebrincantes.com.br/pdf/Cantodecravoerosa.pdf
[08] Fragmento de comentário postado em ‘http://www.artistasgauchos.com.br/portal/?cid=300’, dia 07 de setembro de 2009
[09] Ação de ficar em pé sobre os ombros do colega.
[10] Refere-se a Éder Rosa.
[11] Comentário postado no blog do artista, maicosilveira.blogspot.com, em 02 de setembro de 2009.
[12] Fragmento de crítica escrita por Rodrigo Monteiro e publicada dia 30 de agosto de 2009 no blog http://teatropoa.blogspot.com
[13] Fragmento de comentário postado no blog Rumores da Ventania, em 06 de setembro de 2009.
[14] Refere-se a Éder Rosa.
[15] Comentário enviado por e-mail, em 04 de dezembro de 2007.
[16] Comentário enviado por e-mail, em 05 de dezembro de 2007.
[17] Comentário enviado por e-mail, em 18 de maio de 2008.
[18] Miguel Castro é conhecido no Rio Grande do Sul como “Alarico”, pois faz parte de um popular programa de culinária na televisão, intitulado Anonymus Gourmet, transmitido pela RBSTV. Comentário enviado por e-mail, em 21 de agosto de 2009.
[19] Comentário enviado pela rede social facebook (inbox), no dia 23 de fevereiro de 2012.
Ref(v)erências:
FÉRAL, Josette. “Por uma poética da performatividade:O teatro performativo”. Sala Preta: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, n. 8, p. 197-210. 2008.
FERREIRA, Diego. Canto de Cravo e Rosa RS. Em: <http://olharesdacena.blogspot.com.br/search/label/CANTO%20DE%20CRAVO%20E%20ROSA%20%28RS%29> Último acesso em: 26 de dezembro de 2013.
GRAZIOLI, Fabiano Tadeu. Canto de Cravo e Rosa, de Vivianeane Juguero: Apontamentos sobre dramaturgia e a criança leitora” . In: 5º Seminário de Literatura Infantil e Juvenil – Letramento literário e diversidade, 2012, Florianópolis. Anais eletrônicos do 5º Seminário de Literatura Infantil e Juvenil – Letramento literário e diversidade. Florianópolis: Editora da UFSC, 2012.
HOHLFELDT, Antônio.. Reencontro com o fascínio da cantiga infantil. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 30 de agosto de 2009. Em: <http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=6704> Último acesso em: 26 de dezembro de 2013.
HOHLFELDT, Antônio.. Teatro infantil se recuperou nesse ano. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 31 de dezembro de 2009. Em: <http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=16291> Último acesso em: 26 de dezembro de 2013.
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MONTEIRO, Rodrigo. Fios mais Fracos que Asas. Em: <http://teatropoa.blogspot.com.br/2009/08/canto-de-cravo-e-rosa.html> Último acesso em: 26 de dezembro de 2013.
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