O roteiro é de dar saudade: estão lá o machão, o grão-fino e a turma que se reunia no DCE


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 10.08.1995

 

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Viagem aos obscuros anos 70

Esquisito esse país. Gaba-se de ter o povo mais musical do planeta, mas o gênero quase não aparece nos palcos e muito menos nas telas. Reclama do descaso com a memória e chama peça de época de datada. Felizmente, alguém resolveu tomar uma providência. Band Age, de Zé Rodrix e Miguel Paiva, com direção de Cininha de Paula, é um olhar crítico e nada saudoso aos obscuros anos 70, época em que a maioria das produções exaltavam a vida cor-de-rosa dos sixteen. Visto com o distanciamento de quase 20 anos, dá até para ter saudade. Mesmo lembrando que era o auge da disco music, do bumbum da Gretchen e das infindáveis reuniões do DCE, com direito a esticada na casa do grã-fino da turma, onde enfim deslocados e enturmados acabavam com suas diferenças sociais, pelo menos enquanto durasse a festa.

O texto cheio de lembranças oportunas – para quem viveu a época – ganhou dois personagens narradores, que se encarregam de guiar a plateia jovem por esse túnel do tempo. Nem precisava. As questões continuam atuais. A busca do amor e do prazer, as dúvidas na carreira profissional, as crises com a família e as discussões políticas são temas pertinentes a jovens de qualquer geração. Usando personagens bem característicos – como a liberada sexual, a virgem romântica, o machão que narra suas transas para os amigos, o garotão bonito que nunca falhou, a gordinha que conhece sexo de ouvir dizer e o militante que exige liberdade total para o povo, desde que não mexam com a sua irmã -, os autores focalizam o universo comportamental do jovem anos 70 com riqueza de detalhes.

Porém, se o texto pode emocionar mais aos datados do que a new generation, a direção de Cininha de Paula derruba qualquer fronteira.

Seu inconfundível toque de show business se amplia nesta produção com resultado surpreendente. Imprimindo ritmo milimetricamente marcado, está em cena a diretora de ator e de espetáculo, numa conjunção poucas vezes alcançada. Ampliando a sintonia, as músicas de Zé Rodrix seguem a linha ilustrativa dos musicais americanos compostas , só fazendo sentido dentro da peça – algo, aliás, de muita coerência, já que foram compostas para este fim. Os arranjos musicais de Nico Resende atualizam o balanço, e as coreografias de Caio Nunes fecham a cena na medida exata.

Num elenco onde todos cantam e dançam. Andréa Veiga tem presença marcante como a bad girl; Flávia Rinaldi e Carlos Leça se destacam na coreografia; Marya Bravo, pela incrível potência vocal, e Luis Carlos Tourinho, pela construção bem-humorada de um personagem a beira da caricatura.

Com cenários de Tadeu Catharino – que reproduzem os telões de Andy Wharol, na fase das sopas Campbell e dos fotogramas coloridos de Marilyn Monroe -, os anos 70, com suas contradições e crises, estão muito à vontade no palco dos 90. Qualquer desconforto, nó na garganta ou vontade de dançar, fica por conta da emoção.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)