Crítica publicada eml O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 19.02.1978
Balaco-Barco, desperdício de ideias e boas intenções
Esta coluna tem se batido, constantemente, contra um tipo de teatro que embrutece a inteligência e a sensibilidade da criança, seja através de textos repletos de ideias deformantes ou deformadoras, seja através de espetáculos decadentes, feitos às pressas, com absoluto desprezo pelo público e absoluto compromisso com a bilheteria.
Por isso, quando vemos uma proposta como Balaco-Barco, o desejo inicial é o de aplaudir: surge um grupo jovem, na busca de um teatro que traga alguma coisa à criança, na procura de uma linguagem mais livre e mais próxima das brincadeiras infantis. Entretanto, por uma inexperiência claramente expressa, a prática dessas ideias torna-se frustrantemente desastrosa. O espetáculo em cartaz no Parque Laje, com direção de Vera Froes, conforme vai se desenvolvendo vai se perdendo cada vez mais.
Inicialmente faltou ao grupo a perspectiva de que há uma diferença fundamental entre o tempo e o clima de uma brincadeira real e o tempo e o clima de uma brincadeira na linguagem teatral. Se você vê um acidente e aquilo lhe traz emoção, ao tentar reproduzi-lo fielmente numa cena teatral certamente serão perdidos o impacto e a força do acontecimento. Há uma ponte que deve ser estabelecida entre o real e o teatral. Esse primeiro equívoco faz com que Balaco-Barco se arraste por longo tempo sem que as ações mostradas ao público sejam reveladoras, sem que o interesse do público seja continuamente renovado.
A segunda falha do grupo está ligada à percepção do espaço. A ideia de retomar os hábitos da Idade Média, quando os cenários se sucediam nas ruas obrigando atores e espectadores a se movimentar para acompanhar a ação, é uma ideia dinâmica e que faz com que o público, em cada mudança, se sinta renovado nas suas motivações
No caso de Balaco-Barco, chega-se exatamente ao extremo oposto. A cada mudança o público vai de se desinteressando e a dispersão – permitida pelo próprio espaço – vai caracterizando a relação da plateia com a montagem. A partir do momento em que todos saem à procura da madeira e, principalmente, na incrível solução dada para a cena do pedágio, o desinteresse se instala e pode-se ver mais gente passeando pelo pátio, pode-se ver mais crianças correndo e, principalmente, pode-se ver cada vez menos gente assistindo a peça
O texto, criação do grupo Saltimbancos (que não tem qualquer relação com o musical adaptado por Chico Buarque) perde-se totalmente neste caos cênico. Percebe-se a intenção de defender a libertação do indivíduo que “nunca foi lá fora”; percebe-se um impulso dado à transformação da realidade (“Não há madeira, faço um barco da gente”) – mas tudo isso fica absolutamente diluído numa realização infelizmente tão perdida e tão pouco estimulante.