Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 27.04.1994
Uma geração conta a sua história
Tudo começou em Porto Alegre, quando, em 1982, o diretor do grupo Do Jeito que Dá, Júlio Conti, levou para uma reunião o argumento de Bailei na Curva. Muito mais que a história oficial, que começava em 1964 e se estendia até os anos 80, os atores, posterior mente autores, queriam que o texto revelasse também sua história pessoal.
Depois de nove meses de pesquisa e trabalho de improvisação nos ensaios, a partir de depoimentos dos integrantes do grupo gravados em áudio, o texto final, assinado por sete autores – Júlio Conti, Flávio Bicca, Márcia do Canto, Hermes Mancilha, Cláudia Acurso, Lúcia Serpa e Cláudia Cruz -, é sem dúvida o mais delicado e emocionante registro da juventude pós-64.
Bailei na Curva, com atual direção de Felipe Camargo, valoriza o texto concebido há 14 anos e conquista uma nova plateia. Na história, que percorre 20 anos de ditadura no país, o enredo se conta a partir das lembranças de crianças felizes, tendo como ponto de partida os feriados escolares na primeira semana de abril de 1964. Envolvendo toda a trajetória de uma geração, estão em cena os namoros quentes nos bancos reclináveis dos carros, os que dançaram nos governos da ditadura, nos anos 60, o pé na estrada, as viagens lisérgicas, o paz-e-amor dos anos 70 e a dura caída na real dos anos 80.
Felipe Camargo, que além da direção assina a impecável trilha sonora, está em parceria com Rafaella Fischer, tem sob seu comendo 14 jovens atores no auge de seus fôlegos. Se nas primeiras cenas, na fase infantil dos personagens, não se saem muito bem, exagerando no tom tatibitate chances para intervenções ou brincadeiras particulares, no restante ganha uma força surpreendente. Com cenas bem marcadas, sem chances para intervenções ou brincadeiras particulares, o espetáculo revela um tenso ritmo, poucas vezes alcançado nos palcos adolescentes.
No elenco, a performance dos rapazes, se destaca. Assim, Kadu Favello, Rodrigo Padilha, Alexandre Morenno, Candé Horácio e Bruno Padilha vivem seus personagens com grande veracidade e às vezes comicidade, em todas as fases. No grupo feminino, destacam-se Chica Martins, Renata Novaes e principalmente Mariana Oliveira, vivendo Luciana, ótima em todas as fases da trama – anos 60, 70 e 80.
Os figurinos de Edson Nogueira se revelam melhores no caso dos anos 70, com a moda hippie grafada em detalhes. O cenário de Afonso Tostes, a princípio só uma ilustração, ganha a vida na luz de Jorginho, alcançando perfeitamente todos os climas da peça.
Bailei na Curva, feita por e para jovens, é um espetáculo que conta à história de uma geração a partir dos sentimentos. Sem nenhum esquema panfletário ou situações saudosistas, a trajetória dos que, de uma maneira ou de outra, bailaram, atinge mesmo aos que ainda estão ensaiando os primeiros passos.
Balei na Curva, está em cartaz, as terças e quartas-feiras, às 19h, na Casa de Cultura Laura Alvim. Ingressos a CR$ 3.000.
Cotação: 2 estrelas (Bom)