Letícia Madella (sentada), ao lado de Inês Cardoso: uma Baia de Guanabara exuberante

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Mànya Millen – Rio de Janeiro – 19.02.2002

 

 

 

Barra

 

Baia de Guanabara: Peça sobre meio ambiente ganha belo visual em produção cuidadosa

Cidadania e respeito com diversão

A primeira observação a ser feita sobre Baía da Guanabara, em cartaz no Teatro Villa-Lobos, é que este não é um espetáculo comum. Na verdade, mais que um espetáculo, é um projeto de caráter social e ambiental, que conjuga a preocupação com a degradação da natureza com o comprometimento do bicho-homem em torno de um mundo melhor. Por isso, a peça deve ser vista e entendida não apenas com olhos de público, mas com olhos de cidadão. Sem aguçar esse olhar, o público pode deixar metade do valor do espetáculo escoar por água abaixo.

Concurso para estudantes deu origem ao espetáculo

A particularidade começa pelo texto. Trabalhado pelo expert Rogério Blat, ele nasceu de um concurso de argumentos para teatro desenvolvido sobre o tema, do qual participaram escolas públicas de 16 cidades banhadas pela Baía de Guanabara e que teve como vencedora a estudante Luana de Jesus Castro. Isso significa que, embora repleto de emoção e informação, o argumento de Luana não tem, obviamente, a mesma costura dramatúrgica exibida pelos textos profissionais.

Coube a Blat e à diretora Lúcia Coelho transformar o sonho da estudante em uma mensagem cênica concreta a ser repassada aos cariocas. E, nesse ponto, embora a marca de ambos esteja bem presente no espetáculo, Blat e Lúcia foram respeitosamente carinhosos com a jovem autora, pontuando sua indignação sincera com o futuro da Baía com um belíssimo visual (sob a batuta de outra mestra, Cica Modesto, diretora de arte) e uma produção de primeira.

Esse apuro visual foi fundamental para valorizar roteiro e personagens muito simples, numa história que gira em torno de um menino, Marinho (Inês Cardoso) que ajuda uma desesperada Baía de Guanabara (Letícia Medella, exuberante em cena e dona de uma bela voz) a chamar a atenção do povo para o problema da poluição de suas águas. Nesse contexto, personagens-clichês como o político corrupto (Gualter Costa), a empresária irresponsável (Fernanda Coelho) e o cidadão que acorda para o problema e faz tudo para ajudar (Rogério Freitas) tornam-se perfeitamente adequados ao tema.

A grande estrela do espetáculo é a tal da reciclagem, palavrinha que em tempos ecologicamente corretos tem andado muito em moda e, aqui, enche os olhos da plateia com cenários, figurinos e adereços belíssimos totalmente confeccionados (por Celestino Sobral) com material reaproveitado. As garrafas de plástico que foram recolhidas da Baía se tornaram, por exemplo, a malha de plástico azul que, no palco, é a própria água da Baía. A bonita iluminação de Luiz Paulo Nenen ajuda a destacar esse visual. De quebra, o espetáculo (que tem direção musical e trilha sonora de Guilherme Hermolin) ainda ganhou de Gilberto Gil sua balançante música-tema.

Ao final do espetáculo, respeito, conscientização e cidadania são algumas das palavras que, a partir da ideia de Luana e com a experiência de Lúcia e sua equipe saem mais reforçadas no vocabulário da plateia. A Baía de Guanabara merece e talvez agradeça esse carinho no futuro.