Crítica Publicada no Jornal Teatrarte
Por Sergio Melgaço – Rio de Janeiro – 1990
Para pequeninos… e nem tanto
Babalu – Imaginação bem dosada
Através de tramas simples e quase sketcheadas que traçam um relato fiel e bem humorado da geração playground, coca-cola e TV, Denise Crispun vem desenvolvendo ao longo de seus últimos trabalhos um código de comunicação que investe muito mais na materialização de pontos de vista com os quais seu público-alvo se identifica do que na reprodução da relação professoral adulto/criança , que nem sempre reflete com propriedade o entendimento da realidade dos espectadores mirins.
Espécie de síntese de sua obra, Babalu, em cartaz no teatro Cândido Mendes, coloca em cena a personagem título para, como se fosse um alter-ego da autora, promover no palco exatamente o que é esta almeja com o tipo de teatro que escolheu: o reconhecimento do cotidiano infantil como um mundo que permite a convivência pacífica dos limites entre real e imaginário. Surgida do nada ou de uma história, ou quem sabe de um planeta distante, Babalu retirada de sua bagagem um xarope que, como a imaginação, deve ser bem dosado, para transportar para pequenos sonhos e aventuras duas crianças de uma família que pouco tempo tem para dedica-las, sem se preocuparem esclarecer se ela mesma não seria fruto da inventiva dos infantes a quem diverte.
Construindo um espetáculo de ritmo vertiginoso, que funde a busca de uma encenação colocada no espírito circense com uma estética narrativa típica dos desenhos animados, a diretora Carina Cooper, apoiada em uma trilha sonora onipresente e nos debochados figurinos de Beto Crispun, que abusam clownescamente de estampas bem definidas e de cores marcantes, criou uma leitura cênica extremamente sedutora, que parece espelhar todo o tempo a inquietação física e o gosto pelo lúdico de sua plateia.
Os atores, totalmente sintonizados com a proposta, acionam suas verves pessoais em prol de uma linha de comédia que brinca com muita eficiência com os princípios da caricatura, sem propriamente reproduzi-los. Bel Kutner é uma presença charmosa, plenamente consciente dos recursos farsescos seu corpo pode lhe oferecer. Felipe Martins não nega sua imensa intimidade com o fazer rir. Guida Vianna, em uma das melhores interpretações da temporada, empresta tamanha atemporalidade e universalidade a sua Babalu que, em alguns momentos, dá a impressão de que não passa de uma projeção fiscalizada dos desejos libertários e anárquico de nossas infâncias.
Espetáculo de muitos acertos, Babalu, ao não malograr o espectador, deixando bem claro que aquilo está sendo assistido foi criado para ele e não para os pais, termina por transformar sem didatismo a ida ao teatro num ritual único e mágico, onde as crianças poderão facilmente perceber que neste mundo de preocupações tão adultas, ainda há quem procure entendê-las e diverti-las com seriedade.