Carolina, Letícia e Marcelo: estórias e mistérios. Foto: Murillo Meireles

Crítica publicada no Jornal O Dia
por Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 30.06.1994

Barra

Um Faz-de-Conta Digno de Crédito

A classe média se empenha cada vez mais em levar as crianças ao teatro. Talvez porque, ao contrário dos espetáculos para adultos, o teatro infantil proporciona o escapismo da fantasia, sem a qual o cotidiano seria insuportável nesse Brasil pobre, feio e violento em que vivemos. E pode, como no caso de A Babá, nos colocar diante de questões aparentemente aleatórias: por que um cachorro detesta usar sapatos? Ou: é possível dar a volta ao mundo tendo, como instrumental e meio de locomoção, apenas uma bússola?

Essa gratuidade nos fascina por expressar figuradamente a completa inutilidade de todos os valores que nos regem. E se nada conseguimos fazer contra as extorsões e chantagens de que somos vítimas, podemos, quanto mais não seja, relaxar e esquecer que, afinal, cachorro não usa sapatos.

A Babá, texto de Denise Crispun sobre reminiscências de Mary Poppins e A Noviça Rebelde, é uma encantadora aquarela formada pelos inventivos figurinos de Ruy Cortez, o cenário movente de César Augusto, também diretor, e as coreografias rápidas e fluidas de Beto Brown, capaz de imprimir candura a um mambo ou a um reggae. E, completando tão notável assembleia de talentos, tem Carolina Virguez, misteriosa criatura que veio da Colômbia, pátria do realismo mágico e se tornou brasileira, como se aqui tivesse nascido e sua primeira língua fosse a de Gil Vicente, que ora parece castelhano, ora português da mais pura cepa, que nem o de José Saramago.

Carolina possui o rosto inteligente e vivaz de Fernanda Montenegro, a expressividade gestual de Guilietta Masina, a energia ilimitada e a inspiração dionisíaca que distinguem os monstros sagrados da cena. E conduz o espetáculo como um jogo de sedução em que a babá e seus dois pupilos, Maria/Letícia Monte e Miguel/Marcelo Valle, se aventuram num castelo durante uma tempestade ou viajam para o Alasca e a China levando junto o público. É um faz-de-conta extremamente prazenteiro, que nos permite acreditar em tudo porque não nos expõe a questões de credibilidade, como o Real eleitoreiro ou os heróis esportivos a serviço das multinacionais.

A Babá é a primeira incursão da Companhia dos Atores na área infantil. Tem a marca da qualidade que caracterizou seus espetáculos para adultos, como A Bao A Qu, Um Lance de Dados e A Morta, notadamente na programação visual e no requintado acabamento. Felizes os pais que podem dar um presente assim vivo e colorido a seus filhos.

Teatro Ziembinski
Rua Urbano Duarte, 30, Tijuca, em frente à Estação São Francisco Xavier, do metrô
Tel. 254-5399, sáb. 17h e dom. 16h.
Ing. 3 URVs