Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 02.11.2003
As Aventuras de Robinson Crusoé: Boa adaptação do clássico juvenil ocupa o palco da Laura Alvim
O espírito da obra de Daniel Defoe em espetáculo atraente e cuidadoso
As Aventuras de Robinson Crusoé, romance do inglês Daniel Defoe publicado em 1719, fez um sucesso extraordinário na época de seu lançamento. De lá para cá, a narrativa das vicissitudes de um jovem que sai pelo mundo em busca de aventuras e passa 28 anos numa ilha deserta ganhou várias adaptações. No espetáculo dirigido por João Batista, em cartaz no teatro da Casa de Cultura Laura AIvim, o herói é vivido pelo ator Eduardo Rieche, também responsável pela adaptação da obra para esta montagem.
Não é tarefa simples transpor 337 páginas de história para um espetáculo de uma hora. Eduardo Rieche sabiamente optou por pegar algumas passagens significativas da obra e dividi-las em 12 cenas que relatam em ordem cronológica as aventuras de Crusoé – que, nesta versão, é um marinheiro e não um jovem de família rica.
Nas primeiras cenas de As Aventuras de Robinson Crusoé, o público entra em contato com a história do rapaz sonhador que deixou a casa dos pais na Inglaterra para arriscar-se no mar. E aos poucos descobre como veio parar no Brasil, onde viveu três anos, e como sofreu o naufrágio num navio em que partia para a África. No miolo da peça, Rieche retrata as primeiras experiências de Crusoé na ilha, sua adaptação à natureza, os medos que teve que superar, a aproximação com Deus e a identificação com aquele lugar. E, na última parte, enfoca o encontro com Sexta-Feira, seu fiel criado, a esperança do herói de deixar a ilha e, finalmente, a volta ao mundo civilizado.
Como no original, a peça, um monólogo, é toda narrada. O protagonista vive uma ou outra cena, mas na maior parte do tempo ele conta ao público suas experiências. O que pode ser um grande risco no teatro. Coube ao ator Eduardo Rieche o desafio de prender a atenção do público. Muito bem amparado pela direção, ele dribla as dificuldades e se sai bem no papel do herói: Para evitar o cansaço que os textos – alguns bem grandes para um espetáculo infantil poderiam causar, João Batista conta com os recursos técnicos. Especialmente as projeções de vídeo, que não só pontuam, mas dão substância ao espetáculo: o que não pode ser vivido no palco é mostrado na tela.
Cenário, figurino e música ajudam a compor a narrativa
Sendo assim, as projeções criadas por Batman Zavareze e Leonardo Eyer tornam-se fundamentais para a narrativa. A dupla criou imagens muito lúdicas, como aquela em que
os alimentos que Crusoé tira do barco naufragado vão aparecendo na tela, ou a do enontro com Sexta-Feira. Da mesma forma, a música de Marcelo Neves é imprescindível. A trilha sonora, que remete às compostas para os filmes épicos, envolve o público com os estados d’alma do personagem, dando ênfase nos momentos em que ele sente medo, tristeza e solidão.
A cenografia de Doris Rollemberg também está totalmente adequada ao espírito da peça. Preocupada em liberar o palco para as projeções de vídeo e para os movimentos acrobáticos do ator, ela reveste as laterais do espaço com troncos de árvores tropicais e projeta dois ambientes isolados nas extremidades do palco, fazendo com que o ator fique mais próximo do público quando isso torna-se necessário. Renato Machado, por sua vez, cria uma bela iluminação que preenche e aquece o palco com seus tons vibrantes. O figurino de Mauro Leite não deixa nada a desejar ao resto da ficha técnica.
As Aventuras de Robinson Crusoé é um espetáculo muito bem-acabado, que, reunindo um grupo de profissionais competentes, confirma a maturidade do diretor João Batista. E se por motivos óbvios a peça não pode traduzir na íntegra o livro de Defoe, sem dúvida reproduz com propriedade o espírito da obra.