Eduardo Rieche, também adaptador, transparece maturidade, técnica e emoção

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 04.06.2005 

 

 

 

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Tesouro para o público

As Aventuras de Robinson Crusoé é pura qualidade

As Aventuras de Robinson Crusoé inaugura de forma brilhante o teatro do novo Centro Cultural Telemar. O clássico de Daniel Defoe (1660 – 1731) não foi escrito inicialmente para o público infanto-juvenil, mas este público se apoderou da obra e a transformou num clássico para jovens e crianças.

Eduardo Rieche, como adaptador, consegue a difícil tarefa de levar ao público infantil uma história densa, cheia de aventuras, mas que também fala do homem e do mundo. A adaptação para teatro se utiliza da narrativa oral cênica, mas, além de não abandonar em nenhum momento a estrutura narrativa clássica, a encenação busca teatralidade em cada possibilidade que o espetáculo oferece. O espectador acaba vivenciando o percurso do herói, conduzida de forma irretocável.

Rieche encontra a medida certa entre contar as aventuras que encantam leitores há tantos anos e os conceitos com que Defoe alicerça sua história, falando do ser humano e da solidão do herói – que acaba lhe proporcionando a possibilidade de desenvolver o autoconhecimento e melhor entender o mundo e a humanidade.

Não menos brilhante é a direção de João Batista, que rege este tecido de linguagens múltiplas de que é composto o espetáculo multimídia. Além das linguagens próprias do teatro, ele utiliza de forma orgânica uma projeção, criada por Batman Zavareze e Leonardo Eyer, como se fosse uma ilustração animada da história que vai sendo contada. A ilustração, que se utiliza de imagens reais, desenhos e animação, acrescenta informação e humor, sem em nenhum momento se sobrepor ao ator. João Batista articula com precisão todos os recursos que sustentam a narrativa, criando cenas vigorosas e surpreendentes que, aliadas à projeção das imagens, à luz, ao cenário e ao figurino, constituem um todo harmônico onde a qualidade é a matéria-prima.

Como ator, Eduardo Rieche transparece maturidade, técnica e emoção. Eduardo é um contador – e a história vai se construindo na interlocução com a plateia – que se alterna com o ator que vive cenas fortes, que quebram a linearidade da narrativa e que dão ritmo ao espetáculo.

Espetáculo abre o teatro do Centro Telemar de forma brilhante
A história é contada em tempo cronológico. Robson Crusoé vai envelhecendo sem nenhum recurso de caracterização, a não ser na última cena, em que surge de barbas e longos cabelos brancos – imagem que concretiza o envelhecimento gradual que Rieche conduz com economia e precisão.

Um bom espetáculo é feito de pequenos acertos. Este é um excelente espetáculo feito de acertos. O cenário de Doris Rollemberg é feito na medida certa para dar o suporte teatral, inteligentemente disposto em cena, de uma forma que integra a projeção ao espetáculo.

Compondo este conjunto estão os figurinos de Mauro Leite, criados na medida certa que o espetáculo pede. Como aliado do cenário e do ator, a luz de Renato Machado também encontra sua melhor forma, utilizando os recortes que fazem o close, o plano americano e o grande plano, se integrando à linguagem da projeção e ressaltando milimetricamente cada detalhe, não só da interpretação do ator, mas do ambiente que a luz ajuda a construir, tornando-se elemento importantíssimo da narrativa. Uma produção irretocável, teatro da mais pura qualidade que, neste difícil início de ano para o teatro para crianças, se torna um programa indispensável para pôr o público infanto-juvenil em contato com uma história fascinante.