Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.07.1998

 

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Desafio aos deuses no palco

Quando Tespis, o primeiro ator do mundo, declarou ser Dionísio à plateia do mercado de Atenas, ele não estava só cometendo uma “heresia”, mas começando a mais longa das tramas teatrais, onde homens desafiam os deuses no palco. O fascínio dos jovens atores pelos épicos é plenamente justificado. Na cena, como na vida, vencer desafios é sempre compensador. Com o núcleo de criação do espetáculo As Aventuras de Perseu, em temporada nos jardins do Museu da República, não aconteceu diferente.

A companhia, ainda sem nome se conheceu na montagem de Robin Hood, dirigida por Gaspar Filho nos jardins da PUC. Depois do grande sucesso do espetáculo, encenaram Romeu e Julieta também no Museu da República. Agora já com 25 profissionais estáveis, saem para a “maldição do segundo espetáculo”, com a bênção dos deuses.

Renato Rocha e Verônica de Oliveira, autores do texto, usam a mitologia grega como inspiração para criar o espetáculo. Partindo da ideia de que os deuses gregos foram criados à imagem e semelhança do homem, com seus piores defeitos, o texto, cheio de tramas paralelas, envolvendo muita intriga e algumas lutas corporais, é um interessante exercício para cenas de conjunto de atores. Optando por uma versão compactada, os autores investem na parte mais romântica da lenda, na qual Perseu, filho de Zeus, chega à Etiópia e se apaixona por Andrômeda, filha do rei Cefeu, e tem que lutar com deuses e homens para proteger sua amada.

Mesmo com muitos recursos de cena de ação, ou talvez por isso mesmo, o espetáculo acaba revelando algumas inseguranças do elenco, tanto na verdade cênica dos personagens que interpretam como na difícil movimentação em cenário tão acidentado. A gruta do Museu da república, sempre tão utilizada pelos encenadores que ambientam seus espetáculos nos jardins do museu, não é lá dos palcos mais aconchegantes. Cheio de acidentes naturalmente construídos, o cenário é de difícil iluminação e as cenas, em sua maioria, acontecem no escuro. A plataforma construída para o proscênio deixa os atores, principalmente o rei Cefeu, (Luiz Lobo) literalmente em desequilíbrio para dizer seu texto, ficando o restante do elenco um pouco mais à vontade, mesmo tendo que passar pelo inconveniente malabarismo.

Tirando o foco da plataforma, o espetáculo se desenvolve bem em outros cantos. Perseu (Renato Rocha) tem toda a atenção do público quando navega no lago em uma balsa ou enfrenta Medusa (Ana Paula Lima) ou ainda quando usa o ótimo recurso das lutas de espada criadas por Gaspar Filho.

As Aventuras de Perseu, mesmo com alguns problemas de ambientação, é um espetáculo movimentado que, por certo, vai agradar também às crianças menores. Integrando a celebração teatral, são oferecidas ao público, pelo elenco, as uvas que fazem o vinho de Dionísio. É bom aceitar. Os deuses não perdoam.

Cotação: 2 estrelas (Bom)