Crítica publicada no Site do CEPETIN
por Rodrigo Fonseca – Rio de Janeiro – 29.04.2008
Faíscas pícaras costumam incendiar o riso infantil com enorme facilidade, como se percebe na montagem de As aventuras de Pedro Malasartes, dirigida por Dinho Valladares com sua Companhia do Teatro Contemporâneo. Mesmo com limitações cênicas e técnicas aparentes, em especial nas sequencias musicais, a transposição para os palcos do mais astuto representante das trapaças burlescas na cultura ibérica arranca mais gargalhadas do que senões. É por esforço do elenco que a graça resiste, ainda que a porção adulta da plateia tenha a (incômoda) sensação de estar diante de um pastiche sem inovações de O Feitiço de Áquila. Afinal, a peça narra a história de uma love story boicotada por mandingas, em que uma sertaneja, Maria Linda de Morrê, vira calango de dia enquanto seu amado Severino Bill se transforma em bode à noite. Para quebrar essa maldição, Malasartes tem de empregar todos os seus ardis… para a alegria das crianças.
O repertório que integra a direção musical de Sérgio Cleto ilustra essa trama calcada no impasse com pouquíssima inovação. A viagem pelo cancioneiro nordestino resulta em cantigas que não fazem avançar a dramaturgia. Já a coreografia de Aline Bourseau apela com inteligência para um variado estoque de composições corporais em jogos que fogem às óbvias recriações clownescas do sertão do Nordeste, criando para os personagens tiques que facilitam a comicidade sem apelações rasas. Esses movimentos ganham mais força quando Severino Bill entra em cena, graças ao talento do ator João Catraio. É ele quem faz a melhor costura entre as passagens das instâncias cênicas. Sua conversão em bode é o momento mais engraçado da encenação.
Apesar de um início chocho, em que a trupe parece perdida, os atores vão se integrando numa unidade cênica bem azeitada conforma o enredo vai sendo desenvolvido. Aos poucos, a música deixa de ser uma muleta e o espetáculo se deixa calçar pelos diálogos de Solange Lima, que dialogam com elementos da cultura pop televisiva sem excessos que conduzam ao desencanto.
Sofre-se mais em As aventuras de Pedro Malasartes com a falta de um apuro cenográfico. Não se pode falar em desleixo diante da decoração do palco. Mas é impossível não reclamar da falta de criatividade na composição dos espaços onde Pedro Malasartes enfrenta sua antagonista, (a hilária) Maria Feia Pra Caramba. Entre deslizes de falta de invenção e acertos de interpretação, o espetáculo se equilibra bem e justifica a expectativa investida no ingresso.
Rodrigo Fonseca foi crítico de cinema do Jornal do Brasil, onde também cobria a área de teatro; atualmente é crítico de cinema do Jornal O Globo.