Fátima Café

Crítica publicada no Site do CEPETIN
por Daniel Schenker (*) – Rio de Janeiro – 13.06.2008Barra

Armadilhas da voz

Uma questão bastante delicada para o teatro – talvez mais ainda para o teatro infantil – sobressai durante a apresentação de As Aventuras de Chiquinha Maluca, montagem em cartaz no Teatro Candido Mendes: o modo como o ator compõe vozes para os personagens. As vozes de Fátima Café (que, além de atriz, acumula as funções de autora e diretora) e, em especial, de Ricardo Romão não parecem ter sido descobertas durante o processo de trabalho, mas decididas a priori. Isto faz com que o desejo dos atores de imprimir um registro vocal distante do de seus cotidianos, ambicionado possivelmente com o intuito de transportar o público infanto-juvenil para uma dimensão mais lúdica, não se realize.

As vozes armadas e postiças limitam o poder de alcance de um espetáculo que tem como mérito inegável a determinação em investir numa cena aberta à contribuição da imaginação da criança. A maior evidência disto está na cenografia da Cia. Café de Teatro e Música, que mais sugere do que concretiza imagens através de poucos elementos, como que lembrando ao espectador de que a riqueza do teatro reside justamente no fato de cada objeto poder adquirir as mais variadas conotações em cena, para além de seus significados literais. O espaço tomado por poucos elementos – o principal, uma maleta, de onde são retiradas as histórias de cordel contadas para o espectador – sublinha a perspectiva do teatro como manifestação artesanal.

O cuidado também fica evidente no tratamento estético da encenação, tanto na primazia do preto-e-branco, utilizado como referência às ilustrações dos cordéis, quanto na cuidadosa inserção da cor na boneca interpretada por Ricardo Romão e nas pequenas luzes que emolduram a cena, evocando a atmosfera das festas populares de um Brasil interiorano e ingênuo. A música ao vivo (a cargo de Carlos Café e Romão) é bem articulada na cena, sendo o violão apropriadamente utilizado, vez por outra, como recurso de sonoplastia. Apenas a projeção do céu não atinge o efeito buscado porque resulta numa sobreposição de estampas algo indefinida.

As Aventuras de Chiquinha Maluca é um espetáculo dotado de qualidades, mas que evidencia a urgência de se refletir a respeito do trabalho de composição vocal do ator.

(*) Mestre em teatro pela UniRio e professor de Teoria da CAL – Casa das Artes de Laranjeiras. Crítico de cinema desde 1992, publica textos no Jornal do Brasil, na Tribuna da Imprensa e colabora para a Revista Isto É/Gente e no site: www.criticos.com.br