Crítica publicada em O Globo 
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 28.09.1976

Barra

O dever é o contrário do prazer?

A maioria das pessoas olha para seu passado infantil e reconhece, nele, o tempo do prazer. Ao mesmo tempo tais pessoas olham sua vida adulta e concluem que essa é a fase do dever. Tais pessoas não conseguem imaginar uma vida adulta plena, onde dever e prazer se integrem: para elas, esses valores são irreconciliáveis, são inimigos, não podem nunca jogar no mesmo time. Há, então, a preocupação de preparar logo a criança para que cumpra seus “deveres” no futuro (não é de pequeno que se torce o pepino?). E isso acaba fazendo com que se retire dessa criança, até mesmo o seu “tempo de prazer”, pois tal tempo é tomado no “aprendizado do dever”.

As Aventuras da Patinha Ti-Rin-Tin, de Washington Guilherme, com direção de Jayr Pinheiro, em cartaz no Teatro de Bolso, é uma peça que ilustra bem esse equivocado ponto de vista. Em todos os momentos do texto fica bem marcado que o ato de brincar é meio pecaminoso. A peça coloca, como opositores, o ato de arrumar a casa e o de brincar. E, o que é pior, deixa na criança a impressão de que o certo é arrumar a casa…

Não existe a preocupação de colocar as coisas equilibradamente (o valor da brincadeira e o senso de solidariedade com a mãe que precisa de ajuda). O que importa é que a criança, ao final, diga frases como essas: – Prometo que nunca mais vou desobedecer. E vou ajudar mamãe a arrumar a casa. – Vou obedecer e estudar para trabalhar como um homem de bem.

E o que, ao final do espetáculo, significará para a criança esse “homem de bem”? Certamente alguém muito sério, que não ri, não brinca, que se preocupa com tudo muito arrumadinho e que vive dando lições de moral nos filhos. Ou seja – o mais perfeito e completo chato, um adulto forjado por deformações educacionais, insatisfeito, sem um pingo de autenticidade e que vai deformar educacionalmente seus próprios filhos.

Além do texto profundamente contrário a uma vida aberta, o espetáculo é inacreditavelmente “morto”. Falta garra aos atores, as formas e as cores de cenários e figurinos são de extremo mau gosto, e a trama é ao mesmo tempo inverossímil e sem qualquer fantasia.

Num momento em que há tantos espetáculos bons, de graça, não joguem seu dinheiro fora pagando CR$ 25 para ver uma montagem que além de ser deseducativa, também é paupérrima. (e nem cheguei a falar da irmã dedo-duro!!!)

Enfim, pais conscientes mantenham distância.