Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 23.01.1999
Volta ao mundo sem sair de casa
Escrito em 1936, o livro de Érico Veríssimo As Aventuras do Avião Vermelho é a fonte inspiradora do diretor gaúcho Dilmar Messias para o espetáculo que cumpre temporada no Teatro Rubens Corrêa. A peça, que ficou em cartaz por três anos em Porto Alegre, chega ao Rio e já se anuncia como grata surpresa neste começo de ano, em que as produções locais esperam o mês de março para se lançarem no mercado. Coisas do verão carioca.
As Aventuras do Avião Vermelho, criada a partir de um texto literário de difíceis possibilidades cênicas, chega ao palco com truques explícitos, que acabam se tornando o grande trunfo do espetáculo. Fernandinho, um garoto levado, ganha de seu pai o livro das aventuras do capitão Tormenta. Curioso, embarca em seu avião de brinquedo e corre o mundo em busca de aventuras. Tudo seria muito simples se o palco fosse um set de filmagem. Sem os recursos da sétima arte, o jeito é literalmente dar um jeito na cena para essa história de transformações.
Com três clowns no palco, Dilmar Messias criou um espetáculo que mistura atores e bonecas de manipulação em diversas técnicas. Assim, o clown Fernandinho usa uma lente de diminuir e logo aparece em cena Fernandinho, o boneco. Este leva a plateia para a China, a lua e o fundo do mar, sem que o cenário de sua casa fique desfocado demais. Uma espécie de “longe daqui”, “aqui mesmo”, muito comum em brincadeiras infantis, em que a selva pode ser o tapete da sala e as almofadas uma montanha. Aqui também o mundo acontece a partir do lar, e todos os elementos fantásticos da história são simples objetos da casa. Mesmo assim, ou por isso mesmo, essa trama está muito próxima de sua plateia. A mágica acontece.
Contribuindo no fantástico dessa aventura, os bonecos de manipulação criados por Mário Ballenti, o dono do cachorro Abelardo da TV Colosso, ganham a cena, não só pela diversidade de técnicas utilizadas (vara, manipulação direta, figuras recortadas), mas também pela oportuna utilização de títeres nessa história de transformações. Ballenti, que está devendo a cidade uma temporada solo, é um bonequeiro dos mais queridos no circuito dos festivais, junto com seu grupo A Caixa do Elefante. Aqui, mesmo assinando uma colaboração, deixa sua marca registrada de bom gosto e criatividade.
O espetáculo tem ainda cenários de Dilmar Messias e Daniel Lion, que, a partir da casa do protagonista, adereçam a cena para os demais ambientes, sem muitas invenções desnecessárias. A iluminação de Jorge Rodrigues, em parceria com o diretor do espetáculo, delimita os cenários com precisão, ao mesmo tempo em que colore as cenas em movimento. Um dos pontos altos do espetáculo está na perfeita sintonia dos elementos para o balé dos peixes no fundo do mar.
As Aventuras do Avião Vermelho é um espetáculo de simplicidade calculada, que encanta a plateia mais jovem, o verdadeiro público do teatro infantil, sempre tão esquecido. É hora de aproveitar as férias.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)