Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Maria Helena Kühner – Rio de Janeiro – 15.06.2009

 

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Uma montagem da Cia. Nosconosco tem sido sempre, ao longo de seus 20 anos, uma garantia de qualidade e de um trabalho sério e consciencioso. Não foge à regra essa nova montagem, em vários de seus aspectos.

Em primeiro lugar, a escolha do texto: a opção pelo segundo dos famosos textos de Lewis Caroll, Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá, sem as desconexas adaptações que temos visto em outros casos, que desfiguram e empobrecem o texto original. A beleza e a riqueza do texto ali estão na íntegra: os divertidos e inteligentes jogos de palavras, questionando não só a semântica como a “lógica” pobre dos adultos, a visão crítica de seus comportamentos, sobretudo o dos poderosos, a questão da identidade, tão importante na infância e adolescência, as perplexidades e medos que nela surgem, a questão da “diferença” que gera discriminação, tão atual e questionável no mundo de hoje, tudo dentro de um jogo fantasioso e sempre surpreendente em suas figuras, personagens e situações. Tendo assistido ao espetáculo com uma menina de 8 anos, com surpresa eu a vi chegar em casa contando aos pais, entusiasmada, as vantagens de comemorar o “desaniversário”, enredando-os nas “contas” da cena da carruagem com seu inesperado final, e imitando  o Chapeleiro Maluco e suas “maluquices”…

A escrita cênica, por sua vez, sentindo talvez a possível dificuldade do texto para os menores, opta por um visual movimentado e vivo,  bem servido pela variedade, colorido e beleza dos figurinos e por um expressiva trilha sonora.

Onde haveria algum reparo a fazer seria, talvez, quanto à proposta de fazer da ação um jogo de xadrez: nem o pequeno tabuleiro no proscênio, nem as belas peças de xadrez movimentadas aleatoriamente na cena chegam a fazer passar essa ideia, permanecendo ambos os casos como algo um tanto gratuito. Também o elenco tem desempenho bastante irregular, com a inexperiência de alguns se revelando na dicção falha ou no excesso de caras e bocas. O que faz a ação dramática se dispersar inicialmente em uma movimentação dispersa, ou situações e diálogos menos compreensíveis que não chegam a prender o espectador infantil – o que vai sendo conseguido à medida que as cenas se destacam do conjunto.

Mas, a meu ver, é um espetáculo a ser recomendado a escolas:  a qualidade do texto, um dos mais importantes da literatura (e não só infantil…) de todos os tempos,  merece que ele seja lido, comentado e desdobrado passo a passo com um professor sensível, capaz de levar a apreender a riqueza de conteúdos nele existente e, a seguir, proporcionar a seus alunos a gratificante experiência de ver seus personagens e situações concretizados em uma atraente e viva encenação teatral.