Crítica publicada na Revista Palco & Plateia, Coluna Roleta Russa
Sem Identificação do jornalista – São Paulo – 1985

Barra

A vida toma um banho gostoso. Uma viagem de encontro ao futuro e outra pela memória: sensibilidade e poesia em cena

Antes de ir ao Baile pode ser resumida como sendo a história de amaro, Beatriz, Danilo e Margarida, quatro velhinhos que, num pequeno barco azul – antigo companheiro de aventuras -, fazem sua derradeira viagem em direção à morte.

Mas pode ser também a história de Marinho, Bia, Nilo e Guida, quatro crianças que, num pequeno e novo barco azul, vivem a estranha aventura de serem carregadas para uma viagem de encontro ao futuro.

Girando em torno do eixo vida e morte, essa nova criação do superpremiado Vladimir Capella foge um pouco do que tradicionalmente se conhece por teatro infanto-juvenil. Abrindo um leque amplo de interpretações, a delicada história de Antes de ir ao Baile procura, através da sensibilidade e da poesia, atingir crianças, adolescentes, adultos e idosos. A cada faixa etária é possível uma leitura diferente.

Morte, medo e velhice, entre outros, são temas quase que proibidos no universo infanto-juvenil. Como conta Capella, esses temas “vão sendo lentamente inseridos como dados de realidade – porém nunca sem poesia – no cotidiano das crianças. Assim sendo, a presença da morte próxima pode ser sentida não como um suave convite à dança. Ou como diz a certa altura da peça o personagem Danilo: “Parece que o mundo acalma. É como se a vida tomasse um banho gostoso antes de ir ao baile”.

Uma pesquisa com alunos de quintas e sextas séries acerca do tema da peça foi realizada por Capella (autor das premiadas Com Panos e Lendas, Como a Lua e Avoar) “no sentido de despertá-los para os mistérios da vida”. Eis a questão: O que você faria se encontrasse na rua um velhinho de 80 anos, e esse velhinho fosse você futuramente?

As respostas, das mais céticas às mais sonhadoras, aparecem na peça, em gravação de fita, enquanto brincam os velhinhos e as crianças, entrando e saindo alternadamente, em diferentes dimensões do palco. Parece que nesse momento vida e morte brincam de esconde-esconde, até que velhos e crianças se encontram pela primeira vez. O ligeiro nervosismo inicial aos poucos vai dando lugar ao encantamento das novas amizades. Terminam as lembranças dos velhinhos, o seu passado está presente. As crianças desvendam seus mistérios, vão de encontro ao seu futuro. Todos cantam juntos e trocam carinhos e pequenos objetos de grande valor emocional. Tudo se liga. “como se o fim fosse muito próximo do começo.”

É com profunda sensibilidade que a grandeza indiscutível do texto ecoa na impecável atuação de todo o elenco – do recém-formado Grupo Movimento Ar -, na eficiência da cenografia de J. C. Serroni, na música, na iluminação e na direção de Capella. Nesse momento de extrema poesia é que o espectador se rende hipnotizado, ante quadro tão rico para os olhos e coração. Todos, com certeza, levam aquele banho gostoso de beleza, muito além da simbologia da vida e da morte.

Teatro do Bixiga
Rua Rui Barbosa, 672, 284.02.90
Direção e músicas: Vladimir Capella. Cenário: J. C. Serroni. Figurino: J. C. Serroni e Cissa Carvalho. Elenco: Lizette Negreiros, Cibele Troyano, José Puebla, Reinaldo Renzo, Aída Leiner, Eber Mingardi, Wanderley Piras e Valênia Santos.