Antes de ir ao Baile. Foto: Dinéia Kruse

Crítica publicada na Folha da Tarde
Por Ricardo Voltoline (*) – São Paulo – 14.08.1987

Barra

O que você diria para você mesmo se se encontrasse cinquenta anos mais velho? Este gostoso ensaio de imaginação agora também pode ser realizado nas tardes de quintas e sextas-feiras, durante a apresentação do infantil Antes de ir ao Baile, no Centro Cultural são Paulo, O horário especial de meio da semana é relativamente antigo, mas há alguns anos as escolas e mamães têm se dado conta de que o teatro pode servir de alternativa à televisão. Ainda mais quando, além do módico ingresso de Cz$ 50, toma a cena um espetáculo de qualidade – sete prêmios APETESP e um Molière de atriz para Lizette Negreiros -, como este encenado pelo grupo Movimento Ar, sob a direção do também autor Vladimir Capella.

De Capella, o público “habitué” de teatro infantil por certo não esquecerá de Avoar, a montagem mais premiada de 1985. O sucesso de público e crítica alcançado com este delicioso musical sobre a liberdade, rendeu ao autor um prestígio definitivo que hoje, sem favor algum, o coloca entre os principais realizadores da área. Mas o talento em lidar com o pequeno espectador vem de muito antes. Em 1977, ele já encantava crianças e adultos com o folclórico Como a Lua, texto para o qual se prepara, inclusive, uma versão cinematográfica – em produção bilingue de 1 milhão de dólares – com a cantora Rita Lee no papel principal.

Antes de ir ao Baile não à regra de seus trabalhos anteriores: muita sensibilidade na escolha do tema e música. O amor à vida continua sendo o argumento preferido e sobre ele Capella exercita o conhecido veio poético – espécie de marca registrada -, capaz de compor cenas de incrível plástica. Bem a propósito o cartaz do Centro cultual nada mais é que um poema de exaltação aos valores lúdicos. Conta a história de quatro velhinhos – Amaro, Beatriz, Danilo e Margarida – que, a bordo de um barco azul, resolvem navegar sem destino. A viagem serve, na verdade, de pretexto para que eles repassem na memória as lembranças da meninice e, a partir delas, inverte, a sina do tempo, tornando presente o passado. Na contramão, as crianças Marinho, Bia, Nilo e Guida fazem exatamente o contrário ao brincar a vida atrás do futuro. O encontro de gerações parece inevitável. E a plateia fica torcendo no íntimo para que o teatro dê consentimento ao intangível. Ele consente: após uma brincadeira de pegador – muito bem resolvida no palco, com o “off” de um cassete contendo entrevistas a crianças – os velhos se deparam com eles mesmos remoçados em cinquenta anos.

Os atores integram um elenco coeso, preocupado em desenhar os personagens com garra e ternura e vencer, em cena, as limitações do ritmo narrativo que, por força da própria história, apresenta-se algo enfadonho no início. O cenário de J. C, Serroni e luz controlada por Mário Martini emprestam o tom suave-fosco que persiste durante boa parte da peça, em uma quase atmosfera de sonho. Antes de ir ao Baile passa-se sobretudo no lapso de tempo entre o ontem e o amanhã – o nascer e o morrer onde a emoção pura é a única dona da verdade.

O espectador tem até o dia 30 deste mês para assistir ao melhor espetáculo de 1986, de quinta a domingo, às 15h30, na sala de teatro do Centro Cultural São Paulo. E Capella avisa que está terminando um novo texto intitulado Maria Borralheira, com estreia prevista para novembro. A plateia mirim paulistana, certamente, não perderá por esperar.

Serviço

Antes de ir ao Baile
Peça escrita e dirigida por Vladimir Capella, como o grupo Movimento Ar.
De quinta a domingo, às 15,30 horas, no Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000). Ingresso: Cz$ 50,00.

(*) Especial para a Folha da Tarde

Legenda: Antes de ir ao Baile. Foto: Dinéia Kruse