Matéria publicada no site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Beto – São Paulo – 01.07.2016
Amazônia inspira a dupla de palhaças Las Cabaças
Juliana Balsalobre e Marina Quinan moraram por muito tempo no Pará e agora comemoram 10 anos de palhaçadas com mostra no SESC Pompeia, em São Paulo
Duas palhaças muito amigas e divertidas fixaram residência temporária no Sesc Pompeia, em São Paulo, onde ficará até agosto para realizar uma mostra de repertório e comemorar os 10 anos de sua trajetória. Isso mesmo, 10 anos. Que bom que o Sesc nos dá essa chance de conhecer tanta gente talentosa espalhada por esse Brasil. Elas são “Las Cabaças”, dupla formada por Juliana Balsalobre e Marina Quinan, cujas personagens clownescas foram batizadas de Bifi e Quinam.
A dupla iniciou seu trabalho oficialmente em 2006 na cidade de São Paulo, mas desde então sumiu lá pra cima do País! As duas itineraram durante anos pelos estados das regiões Norte e Nordeste. De 2009 a 2015 ambas fixaram residência em Alter do Chão, no Pará, região amazônica.
A mostra do Sesc Pompeia começou com Divagar e Sempre, dirigido pela convidada Luciana Viacava. Se você perdeu, fique de olhos nos próximos. Eu fui conhecê-las na semana passada e gostei muito do que vi em ‘Divagar e Sempre’. Elas não abrem mãos dos números clássicos de palhaçaria (ambas participaram do grupo Doutores da Alegria, por exemplo), mas dão a eles uma ‘roupagem’ regional que nos permite entender um pouco mais dos costumes, lendas e prosódias da Amazônia.
Neste fim de semana e até dia 7 de agosto, é a vez de O Dia da Caça, inédito, dirigido por Lily Curcio. A dupla entra na mata fechada para caçar, mas Bifi acaba tendo um torcicolo que somente um benzedeiro ou massagista será capaz de curar. Com a ajuda da plateia, a palhaça acaba dormindo na mata e tendo sonhos alucinantes.
Depois, entra em cartaz Semi-Breve, nos dias 13 e 14 de agosto. Nesse espetáculo, as duas fazem uma releitura de diferentes números tradicionais circenses, no Deck da unidade do Sesc Pompeia. Um dos números é o das domadoras de pulgas. Já em Las Cabaças Contam, espetáculo de contação de histórias que se dará nos dias 20 e 21 de agosto, Bifi e Quinan falam sobre os estados do Amazonas, Pará, Amapá, Acre e Maranhão, relatando sobre a cultura e costumes de cada localidade, de forma sempre bem humorada. Conheçam agora um pouco mais sobre elas, na entrevista que segue abaixo:
Crescer: Vocês fixaram residência em Alter do Chão, no Pará, durante seis anos, para pesquisar a região. Por que escolheram esse lugar?
Las Cabaças: Alter do Chão foi um lugar que apareceu em nossas vidas. Conhecemos essa vila de 8 mil habitantes em 2006, quando partimos para nossa primeira viagem sem destino certo, mas com objetivo de encontrar pessoas através do ofício da palhaçaria. Em 2008 retornamos a Alter, época em que toda a experiência na Amazônia estava latejando dentro de nós. Decidimos ficar por 1 ano para montar o “Divagar e Sempre”, mas esse processo demorou muito mais do que isso porque foi se juntando com a construção da família, filhos, amigos, envolvimento com a vila, com a problemática local e etc… Mas ficamos mesmo em Alter por causa do Rio Tapajós e das pessoas que ali vivem.
Crescer: Antes de irem para a Amazônia, o que vocês já tinham feito por aqui?
Las Cabaças: Tivemos 2 grupos de teatro de rua (“Trupe Quintal” e “Trupe Rocinante”). Lecionamos teatro para crianças na Casa do Teatro, trabalhamos durante 9 anos nos Doutores da Alegria e estávamos apaixonadas pelo ofício de ser palhaças, estudando, pesquisando, ensaiando, treinando. Até que, no meio de tantas definições e conceitos, decidimos sair de São Paulo e pesquisar o que significava tudo isso para nós, além de conhecer o Brasil de perto, vontade essa que sempre nos acompanhou.
Crescer: Como as duas se conheceram?
Las Cabaças: Nos conhecemos no Teatro Escola Célia Helena, onde fizemos o curso profissionalizante de teatro e foi amor à primeira vista. Isso foi há 23 anos!
Crescer: Qual a formação de vocês?
Las Cabaças: Nos formamos no Teatro-Escola Célia Helena em 1994. Ali tivemos uma professora muito importante, a Soraya Saide, que nos apresentou a Commedia Dell’Arte. Foi um tiro certeiro em nossos corações! Chegamos no palhaço através da Cristiane Paoli Quito, que nos apresentou esse universo de uma maneira firme e delicada, e a partir daí a palhaçaria foi ganhando morada em nós. Fizemos outros cursos com Bete Dorgan, Fernando Vieira, Chacovachi, Philippe Gaulier, Leris Colombaione… O Leris foi um forte motor pra gente. Com esse impulso, criamos nosso primeiro espetáculo ‘Semi-Breve’, que tem apenas esquetes clássicas.
Crescer: As características clownescas de Bifi e Quinam permanecem em todos os espetáculos? Quais seriam essas características de cada uma?
Las Cabaças: Sim e não. As características de Bifi e Quinan são recorrentes nos espetáculos, mas mudam hora ou outra, porque estão a serviço das gagues. Bifi é tonta, Quinan é medrosa. Juntas querem conhecer o mundo.
Crescer: Como o público do Sesc Pompeia tem recebido vocês?
Las Cabaças: Até agora fizemos apenas um final de semana. O público nos recebeu bem. Para nós, ainda é um desafio porque desacostumamos com a cidade grande.
Crescer: O que vocês viram de manifestações artísticas voltadas para crianças na região amazônica onde viveram tantos anos? O teatro é um segmento forte por lá ou mais a música e as danças típicas?
Las Cabaças: As manifestações artísticas são voltadas para todo o público. Não há distinção de coisas para crianças e coisas para adultos. A música e dança realmente são segmentos mais fortes que o teatro. Existe lá em Alter a festa do Sairé, que acontece no mês de setembro e as crianças participam junto com os adultos. É uma festa de cunho religioso para a Santíssima Trindade e que termina com a parte profana chamada “Desfeiteira”, uma disputa cantada-improvisada entre homem e mulher. Um momento divertido e livre, onde todos dançam, riem muito e bebem tarubá (uma bebida fermentada feita com a mandioca).
Crescer: O que mais as impressionou na convivência com o povo da Amazônia, no que diz respeito às manifestações artísticas daquela região?
Las Cabaças: Antes das manifestações, o que impressiona e nos ensina muito é o modo de vida, a relação que as pessoas de lá têm com a natureza, com a floresta, com o rio, o conhecimento e principalmente com a capacidade de observar e ouvir. Essas pessoas têm um refinamento de escuta impressionante, sabem quem está chegando só pelo som do motor da canoa que se aproxima, por exemplo. As manifestações artísticas estão no modo com que fazem objetos para o dia a dia: cestos, paneiros, panela de barro, etc… Algo que impressiona é a beleza e a tecnologia usada nas armas de caça, nas pontas de flecha, uma para cada tipo de animal… a destreza de andar na mata, de flechar um pássaro voando no céu. Além disso tudo, tem o Carimbó, que é dançado em par, de uma forma livre e permeada de brincadeira. Todo mundo pode dançar: velho, criança, moço. É muito contagiante, alegre e com uma força-centralizadora. Mas a Amazônia é imensa e tem muitas coisas que ainda não conhecemos…
Crescer: E o que vocês mais incluem em seus espetáculos que seja relativo à cultura daquele local? Música? Linguagem e prosódia? Figurinos? Cenografia?
Las Cabaças: Tentamos trazer o universo amazônico para o mundo da palhaçaria. No final isso acaba entrando em tudo isso que você citou. Mas a linguagem e prosódia são nosso encantamento. Tudo tem outro nome! Tipiti, tacacá, piracaia, igarapé, mangarataia, rabeta… E são palavras gostosas e divertidas de falar. Muitas vezes um som, um jeito de dizer esse som, diz muito mais coisas que tantas palavras que conhecemos!
Crescer: O riso ingênuo e espontâneo das crianças, diante das brincadeiras de palhaçaria e do espírito clownesco, é o mesmo em qualquer lugar do Brasil ou vocês perceberam nas crianças do Pará e região outras especificidades no jeito de ser e de fruir um espetáculo de teatro?
Las Cabaças: Sentimos que é diferente, sim. Cada lugar é de um jeito e as crianças também. O riso de cada lugar é único, apesar de a risada ser comum para todos. Trabalhamos muito em pequenas comunidades ribeirinhas onde as crianças são mais tímidas, falam pouco, se encantam com coisas muito simples, acreditam de verdade, riem mais das bobeiras, a risada é mais aberta. Elas não estão acostumadas a ver teatro nem palhaçada, o que faz com que a palhaçaria se torne mais essencial e encantadora. Além das crianças, tivemos muitas experiências de pessoas de idade que nunca tinham visto palhaçada, nem mágica, nem nada disso. Pessoas de 90 anos! Quando vemos um adulto, que trabalha na lida dura do dia a dia, que sabe manejar a floresta, que colhe castanha, extrai óleo, tira o alimento do roçado, caça, pesca, etc, reagindo de forma ingênua, rindo de uma palhaçada, isso traz uma inspiração muito grande na hora em que estamos atuando. Retornar a São Paulo, nosso lugar de origem, para comemorar os 10 anos é emocionante e desafiador. O público paulista tem muitas referências, portanto, tem um olhar mais crítico. Conquistar esse público é uma tarefa estimulante.
Serviço
SESC Pompeia
Rua Clélia, 93
Telefone: (11) 3871-7700
O Dia da Caça
De 02 de julho a 7 de agosto. Sábados e domingos, às 12h. No Teatro. Grátis para crianças até 12 anos, R$ 17,00 (inteira), R$ 8, 50 (meia) e R$ 5,00 (comerciários)
Semi-Breve
Dias 13 e 14 de agosto. Sábado e domingo, às 16h. No Deck. Grátis para todos
Las Cabaças Contam
Dias 20 e 21 de agosto. Sábado e domingo, às 11h e às 15h
Na Área de Convivência. Grátis para todos