Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 14.02.2003
Alice no País das Maravilhas: Adaptação literal de Jorge Furtado se ressente de falta de ação
Peça antenada com o século XXI
A história de Alice no País das Maravilhas, um clássico da literatura universal escrito pelo inglês. Lewis Carroll, em 1865, já serviu de inspiração para diversas produções no teatro e no cinema, tanto para crianças, quanto para adultos. Afinal, são mesmo fabulosas as aventuras da menina que entra na toca de um coelho e cai num espaço de sonho, repleto de personagens fantásticos e situações inesperadas. Mas é justamente esse lado surpreendente, quase absurdo, tanto das situações quanto dos diálogos, que torna a adaptação de Alice para o palco uma tarefa das mais difíceis. E a versão que está em cartaz no Teatro. João Caetano, no Centro, protagonizada por Luana Piovani e dirigida por Ernesto Piccolo, esbarra em algumas dessas dificuldades.
Um bom começo para um final nem tanto
O espetáculo tem seus melhores momentos nas primeiras cenas, quando o diretor mostra a sua preocupação em criar uma montagem antenada com as crianças do século XXI. As cenas da queda de Alice no buraco, em que ela “flutua” no ar tendo ao fundo um telão com projeções psicodélicas, bem como as geniais soluções para o encolhimento e o crescimento da personagem e o nado dela sobre um mar de lágrimas, são divertidas e cativam a plateia.
A partir daí, o espetáculo começa a se arrastar. Parece que em seu primeiro texto para o teatro infantil, o cineasta e roteirista de TV Jorge Furtado, responsável pela tradução e pela adaptação da obra de Carroll, caiu numa armadilha.
Ao optar por uma transposição literal do livro para o palco, ele criou uma série de diálogos repletos de jogos de palavras e com muito pouca ação – o que pode ser fatal para um espetáculo destinado ao público infantil, já que as crianças se desconcentram com a maior facilidade quando a peça tem muita falação e pouca ação.
Algumas cenas, como a do encontro de Alice com os bichos na praia e todas a partir da entrada da Rainha, talvez pudessem ser enxugadas. Isso sem qualquer prejuízo para a
compreensão da história.
A atriz Luana Piovani também encara um desafio: viver uma criança, o que faz qualquer ator experiente correr o risco de cair no estereótipo. E a atriz se sai melhor nessa empreitada nos momentos em que se deixa levar pelo espírito aventureiro de Alice. Se durante a temporada a atriz conseguir incorporar esse espírito em todo o espetáculo, poderá viver cada vez melhor a personagem. O elenco da peça tem interpretações equilibradas, com destaque para a lagarta de Mary Sheila, que sempre dá um colorido especial aos seus· personagens, utilizando seu inconfundível timbre de voz.
Os cenários de Gringo Cardia e a coreografia da Intrépida Trupe funcionam bem e os figurinos de Helena Araújo, assim como a iluminação de Jorginho de Carvalho e a direção musical de Fernando Moura estão sintonizados com a proposta da montagem.
Entre altos e baixos, é inegável o empenho de toda a equipe em fazer de Alice no País das Maravilhas um espetáculo de qualidade.