Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 14.06.2018

Fotos: Arô Ribeiro

Uma festa de adereços para celebrar os rios

Cia. da Tribo faz de Água Doce ao mesmo tempo uma contundente denúncia e uma diversão deslumbrantemente bela

Um grupo experiente e talentoso, um tema ultra necessário, uma estética condizente e atraente, um apoio decisivo (projeto contemplado pela 6ª Edição do Prêmio Zé Renato de Teatro para a Cidade de São Paulo), um enredo movimentado, uma trilha inteligente, uns adereços fundamentais e… pronto, eis que surge um grande sucesso para toda a família prestigiar de graça, ao ar livre, à beira de rios e dentro de praças.

Assim é Água Doce, novo espetáculo da Cia. da Tribo, grupo formado pelo casal Milene Perez e Wanderley Piras, que eu adoro chamar de Perez & Piras, pela sonoridade perfeita na combinação dos nomes.

A meta que permeia todo o espetáculo é abordar a relação do homem com os rios e córregos das cidades. Mostrar, sem panfletarismos nem didatismos, o quanto nossos rios são maltratados, malcuidados, poluídos por nós mesmos. Para dar conta disso, sem ficar chato e professoral, inspiraram-se, depois de boa pesquisa, na cultura popular, nas lendas indígenas e nos mitos ribeirinhos e nordestinos.

A dramaturgia se apoiou, por exemplo, em personagens bem brasileiros como Iara, a Mãe do Rio; Cabeça de Cuia; Jaguarão; Pirarucu e Cobra Grande. É uma escrita feita principalmente de recursos narrativos e épicos, o que funciona muito bem com a natureza dispersa do público ao ar livre. Contar olhando nos olhos – e, assim, garantir que o público esteja dentro do espetáculo, compartilhando uma experiência única, efêmera e, por isso mesmo, potente.

A imaginação da plateia é convocada o tempo todo pelas palavras, ao mesmo tempo em que esse jogo fantasioso feito de mitos e lendas se harmoniza muito bem com o anti-ilusionismo de se fazer teatro a céu aberto, sem coxia, mostrando aos presentes e aos passantes os “truques” da encenação, as trocas de roupas, as substituições de elementos cenográficos, o corre-corre dos ‘técnicos’.

A experiente Cia. da Tribo sabe que um projeto desses não se faz sem uma base sólida de coerência em todos os quesitos. Como falar da morte dos rios de outra forma que não a proposta cênica de sustentabilidade? Assim, priorizaram os materiais reciclados. Chamaram para os adereços o incrível artista visual Adriano Castelo Branco, educador e criador de esculturas chamadas de ‘lúdico-sonoras’ ou ‘criaturas instrumentosas’. Você não vai acreditar no que vai ver em cena. As fotos que ilustram esse texto dão uma boa ideia, mas vendo de perto… é de cair o queixo, tamanha a criatividade desse artista. É, sem sombra de dúvida, o ponto alto de Água Doce. Dá vontade de trazer tudo para casa depois da peça. Que riqueza de detalhes, que fartura de cores, que escolhas de materiais (tachinhas de lata, garrafas pet, talheres)! Até os guarda-chuvas, tão usados nas montagens, aqui aparecem com estampa e funcionalidade surpreendentes.

Outra escolha coerente com a temática da peça foi a trilha sonora, a ‘música da água’. Rogério Almeida, diretor musical, buscou referências na música dos ribeirinhos e cantigas indígenas, além da música ibérica e de matriz africana. Repare como ele captou o som de chuvas, gotas e corredeiras para compor o som metálico e urbano que permeia o espetáculo. Como nos detalha o ótimo material de imprensa, “a música das lavadeiras e o caboclinho também foram inspirações, assim como o uso de instrumentos como a alfaia, um tambor popular mais utilizado no maracatu, o vaso de cerâmica, mais conhecido como cântaro, e o atabaque africano, além de flautas de influência indígena.”

Não fique de fora dessa contundente denúncia, dessa linda defesa de nossos rios, dessa aula fantasiosa de cidadania e solidariedade, dessa verdadeira festa sustentável e criativa. Água Doce vai ‘escorrer’, nessa sua primeira temporada, por nada menos do que 20 parques, das mais variadas regiões da Grande São Paulo. Confira a seguir as próximas apresentações.

Serviço

Junho
Dia 16 de junho, sábado, 16h
Parque do Povo (Região Oeste)

Dia 17 de junho, domingo, 16h
Parque Alfredo Volpi (Região Oeste)

Dia 24 de junho, domingo, 11h e 16h
Parque Villa Lobos (Região Oeste)

Julho

Dia 1º de julho, domingo, 16h
Parque Vila dos Remédios

Dia 7 de julho, sábado, 16h
Parque Victor Civita

Dia 8 de julho, domingo, 16h
Parque Chácara do Jockey

Dia 14 de julho, sábado, 16h
Parque Previdência

Dia 21 de julho, sábado, 16h
Parque Ecológico do Tietê

Dia 22 de julho, domingo, 16h
Parque Nebulosas

Dia 28 de julho, sábado, 16h
Parque Chico Mendes

Dia 29 de julho, domingo, 16h
Parque das Águas

Agosto

Dia 4 de agosto, sábado, 11h e 16h
Parque Independência

Dia 5 de agosto, domingo, 11h e 16h
Parque Ibirapuera