Cléber Salgado, como o cachorro Balão, e Letícia Cannavale, como Cinderela, se destacam no elenco

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 04.09.2005

 

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Adorável Cinderela: Adaptação do conto de Charles Perrault situa parte da trama nos dias de hoje

História modernizada só pela metade

A história de Cinderela já é bem conhecida do público infantil: o pai da moça fica viúvo e casa-se novamente com uma mulher má e ambiciosa, mãe de duas filhas tão malvadas quanto ela. Na adaptação de Leandro Fleury Curado para o conto de Charles Perrault, em cartaz no Teatro Clara Nunes, a história transcorre no reino de Estrelópolis, onde, depois da morte do marido, Mandrágora e suas duas filhas, Anália e Firmina, usam e abusam dos serviços da submissa Cinderela.

Adaptação não é favorável ao resultado da montagem

O texto de Fleury situa uma parte da trama na atualidade e outra no tempo em que se passa o original – divisão que não é favorável ao resultado da montagem. Se a proposta do autor era adaptar o conto para os dias de hoje, o ideal seria que tudo na peça fosse atualizado e não somente alguns personagens. Enquanto Mandrágora e suas filhas fazem compras em lojas de marcas conhecidas, usam cartões de crédito e estão sempre preocupadas em manter a boa forma, Cinderela, o príncipe e a fada continuam comportando-se como antigamente. É como se o tempo tivesse passado só para as malvadas da história.

E essa proposta do autor acaba comprometendo outros elementos do espetáculo, como o figurino de Márcio Araújo, que está de acordo com a época em que vivem os personagens. O equívoco se repete: Cinderela, o príncipe e a fada usam trajes que seriam compatíveis com uma montagem de época, enquanto a madrasta e suas duas filhas vestem-se de uma forma extravagante e contemporânea, extremamente colorida, que beira, inclusive, o mau gosto. A cenografia, também de Araújo, em parceria com Denise Ricardo, não consegue resolver muito bem o problema causado pela extensão do palco do Clara Nunes. Tentando minimizar o problema, os cenógrafos criam dois ambientes, com cortinas de cores diferentes no fundo do palco: de um lado fica a cozinha e do outro, a sala de estar da casa, integrada apenas por uma escada e por um quadro da matriarca. No momento do baile as cortinas se abrem e o público identifica como participantes da festa bonecos de papelão, em tamanho natural, de Branca de Neve e de outros personagens dos contos de fadas. É, certamente, uma surpresa para as crianças, mas é um artifício que não favorece a montagem.

Autor e diretor da peça vive a madrasta

No elenco da Companhia Teatral Mise-en-Scène, destacam-se as presenças de Letícia Cannavale, uma doce Cinderela, e de Cléber Salgado, que encarna o divertido cachorro Balão. Alessandra Diamante, embora tenha uma participação pequena, consegue uma boa atuação como fada-madrinha. Cristina Fraga, a Firmina, Helen Hoffmann, a Anália, e Ricardo Ferraz, o príncipe Luã, dão conta de seus personagens. Já Leandro Fleury Curado, autor e diretor da peça, faz uma opção questionável ao decidir viver a madrasta. É certo que a sua presença exótica em cena faz a plateia rir, mas sua empatia com o público está muito mais ligada à aparência da personagem e às piadinhas que ela faz com figuras que estão na mídia, e que são identificadas apenas pelos adultos, do que propriamente pelo espírito maquiavélico da vilã – o que é uma pena.

Embora seja uma peça em que o elenco se esforça para dar o melhor, Adorável Cinderela encontra sérios problemas em sua concepção e realização. Fica a impressão de que o excesso de funções assumidas por Fleury – como autor, diretor, ator e compositor das músicas – prejudica a montagem como um todo. Algumas vezes é necessário delegar tarefas para o bem do espetáculo e da própria companhia.