Letícia Cannavale, Cinderela, e Ricardo Ferraz, o príncipe: escolhidos mais pelos tipos físicos

Crítica publicada no Jornal do Brasil
P
or Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 14.01.2006

 

 

Barra

Produto de marketing

Musical Adorável Cinderela é cópia “trash” do filme de Disney 

Cinderela, ou A Gata Borralheira, é um conto de Hans Christian Andersen, do século 17, recontado pelos irmãos Grimm, no século 18, mas na verdade há registro anterior, no meio do século 16, feito por Basile, de La Gata Cenerêntola. Esses contos, de origem celta, na era medieval, expunham a crueza dos sentimentos humanos. Em Cinderela, o abandono, a orfandade, os maus-tratos. Mas Cinderela trata principalmente do tema da transformação  a moça feia, borralheira, que se transforma em princesa e, com intervenção do mágico, na figura da fada madrinha.

Ao longo dos anos, os contos populares medievais foram se suavizando, mas não podem perder sua essência, sob pena de deixarem de ter por que serem recontados. Walt Disney, por exemplo, transformou alguns destes contos em filmes de animação. Cinderela, de 1950, edulcora a história de abandono, crueldade, maus tratos, e a reconta como um melodrama açucarado.

Pois Adorável Cinderela é uma cópia trash do filme de Walt Disney (dirigido, na verdade por Clyde Geromi, Wilfred Jckson e Hamilton Luske) – desde a escolha dos atores, até os figurinos tudo remete diretamente ao filme.

Abandonados todos os conceitos fundamentais que constituem a própria história e com pretexto de estarem atualizando o conto popular, são reunidos príncipes, castelo, fadas, shopping, cartões de crédito, criando, no mínimo, um universo confuso, para a criança.

Com certeza os pais procuram, no teatro, uma obra de arte transformadora, além de divertida, para levar seus filhos. E o que pode ganhar uma criança ao ver em cena uma história mal (re)contada, despida exatamente das questões que a fizeram atravessar séculos? Por isso é necessário que os pais estejam atentos para esse tipo de produção, principalmente as que se utilizam do reconto, de títulos conhecidos, como meio de atrair o púbico, produções em que todo e qualquer recurso se torna válido, sem a mínima preocupação com o teatro visto sob a perspectiva da obra de arte.

Adorável Cinderela é, na verdade, apenas um excepcional produto de marketing, que apela para o sentimentalismo, o histrionismo escrachado e uma sucessão de cenas desnecessárias, sem sentido e, no mínimo, risíveis, quando se chama o que ali se vê de teatro.

No texto de divulgação distribuído à imprensa a produção diz que seus espetáculos são vistos por cerca de 10.000 pessoas – o que mais preocupa os profissionais que lutam por um teatro de qualidade e que estão comprometidos com a formação integral da criança.

O conto, adaptado por Leandro Fleury Curado, ganha, em cena, no papel da madrasta, o próprio autor, numa composição drag queen, que grita todo o tempo do espetáculo. Uma melosa Cinderela, interpretada pela atriz Letícia Cannavale e um inexpressivo príncipe, feito por Ricardo Ferraz, confirmam que os protagonistas foram escolhidos apenas pelo seu tipo físico e não pelo talento. Cinderela, embalada numa pretensa superprodução, na verdade tem uma “decoração” de festa de aniversário e assim é entregue a pais crédulos e a crianças que dificilmente se tornarão futuros espectadores.