Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 14.08.1981
Adivinhe o que é
Quem ainda não viu, em programas de calouro, crianças fantasiadas de algum artista famoso tentando reproduzir seus gestos mais característicos e dublar ou cantar como ele? Não deixa de ser um momento profundamente constrangedor. Nota-se sem grande dificuldade o cuidado com que a mãe procurou vestir o filho à caráter, e o esforço tragicômico da criança em se assemelhar ao artista que imita. Nota-se, por outro lado, como o público e os apresentadores costumam ser gentis com essas duplicatas infantis de alguém. Quando nada, aos calouros mirins se dá sempre algum prêmio de consolação. No mínimo escutam algum jurado: “Que bonitinho!” “Tão afinadinho!” “Vai longe!” Saem cheios de elogios e de “inhos”. São sempre benquistos nos programas porque, ao contrário dos calouros adultos, não tornam óbvios demais determinados cacoetes ridículos de seus ídolos. Não tornam óbvio o fracasso que parece rondar todo o programa desse tipo. Porque fora de lá nunca “se vai para o trono” ou se recebem aplausos. Por que o calouro adulto só consegue ser aplaudido ao escolher alguma música bem conhecida ou quando imita com perfeição certo “astro”. O calouro, o que é? Nada além de uma desesperada tentativa empreendida por um ‘ninguém” de parecer um “astro”. Daí os risos e vaias impiedosas do auditório quando o animador diz ao calouro mais feio, desdentado e desarrumado que parece o Roberto Carlos. Ou a uma mulher parecida com as do auditório que é linda. E, à plateia só resta vaiar ou rir com certa angústia quando o fracasso da imitação fica óbvio demais. Não dá para ter pena do candidato, porque senão talvez se tenha que ter pena da própria feiura, do próprio fracasso. Por isso às crianças se aplaude sempre. Principalmente porque à elas ainda resta qualquer coisa, ainda não desperdiçaram todas as chances de sucesso. Podem continuar buscando a semelhança aos astros por muito tempo. Se fracassarem lhes resta ou o papel de espectadores de um ridículo semelhante ao seu, ou o papel de eternos calouros em busca de um sucesso que pertence sempre a um outro.
Se a simples visão dos “calouros mirins” é coisa bastante melancólica, chama a atenção, no entanto, para o interesse infantil pelos espetáculos e artistas de música popular. Em entrevista recente, Ney Matogrosso, por exemplo, ressaltava o seu sucesso junto ao público infantil. Não é à toa que ele é dos mais imitados em programas de auditório. E as imitações infantis normalmente só podem ser de astros e músicas pertencentes ao mundo adulto, porque não há uma produção musical voltada para o público infantil. Sé se pareceu perceber a existência desse público com o sucesso de vendagem da Arca de Noé, com músicas de Vinícius e Toquinho. Até então parece que o Bloco da Palhoça, grupo que semana passada iniciou no Teatro Villa-Lobos a temporada de seu novo show, Canto de Trabalho, era o único grupo a desenvolver com alguma continuidade um trabalho musical voltado fundamentalmente para a criança. Estranho que não se tenha percebido isso antes, sobretudo quando a maioria dos espetáculos infantis tem uma parte musical bem extensa. E quando o lado musical agrada, guarda-se as músicas com muita facilidade, como as de Sérgio Ricardo para um espetáculo como Flicts, as de Caíque Botkay, as de Os Saltimbancos, atualmente no Teatro Leopoldo Fróes em Niterói.
Só agora parece vir-se firmando uma nova tendência nos espetáculos para crianças: o show. Principalmente como o Canto de Trabalho do Bloco da Palhoça que, ano passado, já apresentara Música para Brincar e Cantar, e como a estreia dia 22 no Canecão de Adivinhe o que é. Trata-se de um musical infantil com o MPB-4, com direção de Benjamin Santos, mágicas de Maçaroca, cenário de Maria Carmem, e que vem dinamizar a produção musical dirigida ao público infantil, tratado não como simples “imitador do gosto adulto”, mas como uma plateia dotada de exigências próprias. E que foi capaz de tornar sucessos O Pato e O Galo Cantor nas vozes dos integrantes do MPB-4.