Crítica publicada no Correio Paulistano, Coluna Teatro
Por O.C. – São Paulo – 12.11.1948

Aconteceu… Uma sugestão

Parte II

Apreciado que foi o original de Lúcia Benedetti, apresentado pelo conjunto de Os Artistas Unidos no teatro Sant’Ana, queremos fazer rápidas considerações quanto ao espetáculo, porque hoje contamos com um colaborador.

Madame Morineau foi uma bruxa perfeita, salvo seja, transmitindo aos pequenos espectadores e também aos grandes, toda aquela gama de sentimentos que só mesmo uma bruxa inteligente, embora chorona, sabe transmitir. É mais uma faceta de seu notável temperamento artístico. Com a mesma propriedade que vive uma Blanche Dubois na peça de Tenessee Williams, vive também a bruxa imaginada por Lúcia Benedetti e imaginada por todos nós que conhecemos histórias de bruxas, de estimação. Graça Melo secundou inclusive daquelas que apanham do marido, porque quebrou a vassoura admiravelmente, madame Morineau, formando com ela um notável casal de bruxos.

Flora May foi uma princesinha com a qual todos os príncipes do mundo devem ter sonhado. Não só os príncipes. Todos nós sonhamos com princesinhas iguais à Flora May. Sensível, emotiva, de uma doçura contagiante. Um verdadeiro sonho.

Maria Castro foi uma das figuras principais, interpretando uma vovozinha tão carinhosa que pode atrair todos os seus netos ao palco, com eles trocando ideias, distribuindo beijos e abraços. Maria Castro é hoje, aqui em São Paulo, a vovó que tem mais netos em toda a cidade.

Dary Reis e A. Fregolente cooperam de forma expressiva para o sucesso do espetáculo, vivendo os dois alfaiates. Jaci Campos um ótimo rei. Margarida Rei, um relógio que soube carrear simpatias e Orlando Guy, um ministro a forma antiga.

Um valor positivo, como já dissemos, foi Nilson Penna, imaginando os cenários e figurinos que foram executados, respectivamente, por Pilade Romano e Nieta Junqueira. Os cenários e vestuários contribuíram, de forma decisiva para criar o ambiente propício ao desenrolar da história. Aquela árvore em forma de mão, e aquela aranha na casa do bruxo são dignos de registro.

Foi, como se vê, um trabalho conjunto de Lúcia Benedetti, Graça Melo e Nilson Penna, que permitiu a apresentação de um dos espetáculos mais interessantes no gênero que foi dado ao público paulista nestes últimos anos.

Como dissemos no início, esta crônica conta com um colaborador. É uma criaturinha de 8 anos de idade, cursando o 2º ano primário de uma escola particular. Para que se possa avaliar melhor sua opinião, é preciso que se diga que essa criaturinha gosta imensamente de fitas de cowboy, lê, com sofreguidão, os livros de Monteiro Lobato, é aluno de uma escola de jiu-jítsu, frequenta piscinas e com seis anos de idade partiu um dente de seu coleguinha por causa de uma namorada, da mesma idade, feinha e sem dentes…

Perguntado sobre o que havia achado do espetáculo ele nos respondeu: Gostei muito, porque tem uma bruxa gozada, um bruxo muito bravo, uma vovozinha que é um encanto, o João e o José que foram muito engraçados e souberam fazer o bruxo dormir, o que foi ótimo. Gostei também por eles se vestirem de um jeito bonito e representam muito bem.

Os desenhos e as paisagens foram lindos. (A criança quis se referir aos cenários).

Gostei mais ainda porque entendi tudo. A princesa além de muito linda, trabalhou muito bem. Foi um espetáculo bacana. Eu gostaria de assistir outros espetáculos tão agradáveis como O Casaco Encantado.

Depois disso nada mais precisamos dizer a respeito, a não ser uma sugestão que fazemos, daqui, a Graça Melo e madame Morineau.

O trabalho de Lúcia Benedetti mostrou possibilidade imensa que tem aquele gênero de espetáculos. Há público, há interesse, há agrado. O caminho foi aberto, e é indispensável que ele seja seguido. A autora, naturalmente, vai continuar, o que, aliás, é desejo de todos. Isso, entretanto, não impede que novos originais subscritos por outros nomes, se apresentem. Cabe a Graça Melo e madame Morineau propiciar o ensejo necessário. É possível essa realidade através de um concurso, digamos que seria patrocinado pelo próprio conjunto de Os Artistas Unidos. Temos certeza que os candidatos aparecerão. Além de um prêmio que poderia ser dado aos primeiros colocados, haveria, também, aos autores, o pagamento dos direitos autorais, o que não deixa de ser interessante, dentro do ponto de vista econômico, mesmo porque nossos intelectuais não vivem de brisa ou sonhando com a princesinha Flora May.

O momento é dos mais oportunos. Aí fica o lembrete.