Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 28.11.1998
Palco e plateia na mesma praia
Gutti Fraga, um dos diretores do Nós do Morro, acha que o grupo teatral está vivendo um ano cabalístico. Em 13 anos de trabalho contínuo, pela primeira vez o grupo deixa o teatrinho literalmente cavado na pedra no Vidigal e se instala num teatro do circuito. O palco escolhido é o da Casa de Cultura Laura Alvim. O espetáculo Abalou – Um Musical Funk. E se alguém esperava um choque cultural, é bom avisar que o palco e plateia frequentam a mesma a mesma praia.
O texto de Luiz Paulo Corrêa e Castro é um mix das histórias das galeras de todos os tempos – West Side Story, Grease, Funk-se, entre outras -, mas com referências muito próprias, criando quase uma peça de costumes, em que o abre e fecha das portas do boulevard é substituído pela batida do rap, do funk e de outros ritmos que têm como base a palavra. Como boa novidade, essa história é contada sob a ótica feminina. Assim, a gangue, sempre protagonizada pelos bad boys, é substituída pela das garotas que sabem muito bem o que querem. E quando querem, conseguem.
Na trama bem dividida entre realidade e fantasia, três espíritos de outros carnavais visitam o morro para participar de um baile funk. Lá chegando, comparam a sua época com o que está acontecendo com a nova geração. O morro está dividido entre a turma da Tininha (Luciana Bezerra), uma sonhadora que quer trocar o Vidigal por Copacabana, e a turma da Martinha (Sabrina Rosa), que está muito contente com o lugar. No embate das turmas, existem também os garotos: os cerebrais pelo e os musicais. As gangues não se dividem entre bons e maus, os que vão para o céu e os que se divertem. O conflito está baseado na luta da galera pelo seu lugar ao sol. E esse bronzeia a rapaziada do mesmo jeito em Ipanema ou no Vidigal.
Na direção, Gutti Fraga e Fernando Mello da Costa armam um espetáculo de intensa movimentação, sem se descuidar da composição de cenas mais fechadas, as que realmente contam a história da peça. São 22 atores em cena, com takes bem marcados de entradas e saídas, que revelam seu potencial de ator nas cenas de diálogo. Em suma: no teatro da multidão, também há lugar para solo de interpretação. E este é o melhor espetáculo.
Outro grande achado são os cenários de Fernando Mello da Costa. São tapadeiras dobráveis de placas coloridas que se modificam ao sabor do ambiente. Num simples toque, estão em cena: a praia, a vendinha, o baile, e por aí vai. A trilha musical de José Luiz Rinaldi ganha força nas coreografias de Joyane Idelfonso. E a galera dança pra valer. Os figurinos, também de Fernando Mello da Costa, fazem a linha casual, sem grifos caricatos que marquem os personagens além da conta.
Com todos esses achados, os diretores poderiam rever dois importantes pontos: o longo começo sem texto, onde os personagens apenas criam ambiente para contar sua história, e o final abrupto, no qual se corta o melhor da festa: o beijo da garota quase má no garoto quase bonzinho. No mais, tudo combina.
Cotação: 2 estrelas (Bom)