Matéria publicada no Jornal do Brasil
Por Eliana Yunes – Rio de Janeiro – 04.04.1987
A Hora dos Paradidáticos
Na volta às aulas, a leitura retoma seu lugar passivo, quase castigo, nas salas e bibliotecas escolares. Claro que já que não é apenas isto o que se vê nos colégios, mas escandalosamente a grande maioria ainda não percebeu o valor e a importância política das leituras literárias na escola. Se isto tivesse acontecido, na prática, teríamos vorazes leitores mirins que descobriram o prazer de ler.
A dificuldade começa pela postura das próprias editoras que transformam uma obra de Guimarães Rosa em paradidática” para dirigi-la em formato de bolso ao público juvenil. Se o livro para adultos é classificado como ficção e
não-ficção, sem que haja inclusive qualquer preconceito valorativo nos rótulos, o livro infantil é conhecido como didático e paradidático, num equívoco que leva a listagem de best-sellers em que os maiores interessados, os leitores, crianças, não foram chamados a opinar. Estes se debruçam de 8 a 9 meses por ano sobre páginas de leitura compulsória, fracionada e dispersa e delas dependem seu desempenho e aprovação ao final de cada ano. O desgosto pela leitura se enraíza na escola onde paradoxalmente aprende-se a ler.
Nada contra os didáticos em si, exceto que sua qualidade deixa, em geral, muito a desejar. A realidade é que este é com frequência o único livro que muitas crianças possuirão durante toda uma vida. E como as bibliotecas infantis praticamente inexistem dentro e fora das escolas e a biblioteca escolar nem sempre tem uma estante de literatura, as crianças dependem de programas como a Ciranda de Livros e Salas de Leitura para se deliciar com imagens visuais e
verbais, quando estes, de fato, conseguem ser implementados: ocorre que “para não danificar os livros”, evitam-se uso e empréstimo, restando às bonitas capas coloridas o consolo de serem nas paredes da escola. Incrível, mas acontece.
Por que não assumir que já existe uma literatura infantil que faz jus ao conceito de ficção e admitir sem pudores que também existem os paradidáticos, obras que se utilizam da estrutura ficcional para informar, ensinar, reforçar
conteúdos? Coisa muito diferente, claro, de literatura. Por isso é um susto ver José Lins do Rego e Jorge Amado listados em séries paradidáticas da Nova Fronteira e da Record. Assumir a diferença é saudável, não diminui ninguém e permite
que na hora de lazer uma criança descubra o gosto da linguagem sem preocupações didático-pedagógicas. Aqui não deve predominar o aspecto mercadológico da venda para as escolas, nem prejudicar a gregos ou a troianos conhecer os diferentes usos e funções de um e outro. Não é nenhuma pecha reconhecer na obra fundamental da Literatura infantil Brasileira – a de Monteiro Lobato – a existência de livros paradidáticos, alguns perdendo a eficácia com o ocorrer do
tempo (caso da Geografia de Dona Benta) e de livros de ficção, insuperáveis (como Reinações de Narizinho).
A confusão é grave porque tudo que se escreve para crianças leva o rótulo indevido de literatura infantil, quer ensine a escovar os dentes, esclareça as questões da sexualidade, proponha o problema ecológico ou apresente um universo
estruturado que lhe permita se situar no tempo e no espaço, psicológico ou real.
Estamos todos de acordo, depois dos parnasianos e simbolistas, que qualquer tema e assunto podem ser literários, nos dizem a pedra drummondiana e a hemoptise de Bandeira. Mas a forma literária, que não acento nem assento, é
diferente do informativo e instrucional.
Pode-se, é certo, aproveitar de uns e outros. Mas cada um a seu modo. Sob pena de afastar destes e daqueles os leitores pequenos. Sabendo usar, não vai penar, nem professor, nem aluno.