Matéria publicada na Tribuna da Imprensa
Por Maluh de Ouro Preto – Rio de Janeiro – 26.09.1950
Branca de Neve e as sete crônicas
Se fosse possível eu escreveria não uma, mas sete crônicas a respeito de Branca de Neve e os Sete Anões… Dedicaria as três primeiras a Lucia Benedetti, d. Esther Leão e Nilson Penna. A quarta a Dary Reis e os demais atores e a quinta às crianças e adultos da assistência. Na sexta falaria sobre os contos de fadas na vida de qualquer pessoa, e na última recordaria uma Branca de Neve chamada Leilah. Mas não posso fazer sete crônicas… numa só tentarei dizer tudo o que gostaria de dizer…
Começando pelo fim recordo a Branca de Neve chamada Leilah… Se não passava de simples amadora, meninota sem experiência de palco e sem a menor técnica teatral, foi, no entanto a mais linda e comovente que já vi até hoje. Mimosa e ágil, muito pequenina no austero salão nobre do colégio das freiras. Uma Branca de Neve só nossa, amiga íntima, companheira de classe, ai-Jesus das colegas. A mesma que na véspera fora severamente repreendida por ter mudado o sexo minúsculo professor de matemática, interrompendo-o no meio de uma complicadíssima demonstração (menos a igual a mais ou menos raiz quadrada de b dois menos quatro a sobre dois a) com pergunta irreverente e irônica “E eu com isso, ma mére?” Uma Branca de Neve que nos encheu de inveja por sua conquista fácil do cobiçado papel, e de admiração orgulhosa por seu triunfo.
Eeunindo num só parágrafo três das crônicas mencionadas, e sem a menor intenção ou pretensão à crítica teatral da Branca de Neve de hoje digo apenas, que foi maravilhosa… todos os atores magníficos… No futuro a imaginação da criançada presente verá sempre na Rainha os lindos traços de Mara Rúbia, na Princesinha a doçura de Nicette Bruno e no Príncipe o físico de Jardel Filho. E quando crescida buscando ansiosa a muda aprovação de algum espelho, muita menina de hoje pensará com carinho em Dary Reis, o espelho animado que não mentia, imagem perfeita de qualquer espelho nas mãos de qualquer mulher. Não é preciso ser criança para gostar de contos de fadas. Não existe ser humano moço ou ancião que não conserve, por mais escondido que esteja (mesmo se for no alto de um planalto, de um rochedo e de um coqueiro) um resto de infância no coração… “Vive como num conto de fadas”, dizemos de quem nos parece feliz. Os heróis de Perrault, Grimm e Anderson são personagens que jamais desaparecem totalmente de nossas vidas, são símbolos de doçura, beleza e saudade. O público do teatro Monteiro Lobato no Copacabana sentiu isto. As crianças vir4am o mundo mágico em que acreditam, e os adultos reviram o mundo mágico em que acreditaram…
Das sete crônicas restam três… A terceira, a segunda e a primeira. O cenarista, a diretora e a autora. Nilson Penna premiado e, 1948 por sua encenação do Casaco Encantado, autor dos figurinos e cenários de Sonho de uma Noite de Verão, Copélia e Bodas de Aurora,esmerou-se em Branca de Neve. Misturando influências de Debret e Walt Disney conseguiu efeitos extraordinários, provando mais uma vez que bem merece a pleiteada bolsa em Paris.
Grande parte do sucesso da peça é devido à dona Esther Leão a diretora portuguesa que desde 1938 trabalha no teatro brasileiro. Sua grande ação e influência nos palcos ainda não foram devidamente reconhecidas e apreciadas. Professora e ensaiadora do Teatro do Estudante onde é queridíssima pelos alunos, dirigiu Macbeth, Romeu e Julieta e Inês de Castro. Foi também diretora de Aimée numa de suas temporadas, de Mensagem sem Rumo, de Agostinho Olavo; Corda de Prata, de Lúcio Cardoso e Jeremias e as mulheres, de Gustavo Dória. Passando com igual competência da tragédia shakespeariana ao drama moderno, do teatro sério a comédia leve,m dirige agora Branca de Neve. É de se esperar que em justo reconhecimento por seu trabalho dedicado nosso governo lhe conceda a merecida condecoração, pedida por um grupo de intelectuais brasileiros seus amigos.
E finalmente a autora! Lúcia Benedetti, a escritora aplaudida de (inelegível) Entrada de Serviço e Noturno sem Leito e laureada pela Academia de Letras por Vesperal com Chuva, (inelegível) e as quais se destaca o Banquete…….. e as peças para crianças, Casaco Encantado, também premiado pela Academia, Simbita e o Dragão, Menina das Nuvens e agora Branca de Neve. No teatral infantil torna-se antes de mais nada a mãe de rosinha, uma mãe extremosa que conta lindas histórias não só a filha, mas também às demais crianças e a muita, muita gente crescida.