Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 10.07.2010
Dez anos de criatividade
Em atividade há uma década, a Cia. Muito Franca dá um salto de qualidade técnica e artística
Completando 10 anos em 2010 e contemplada com o Prêmio Myriam Muniz, a Cia. Muito Franca celebra a data com a encenação do espetáculo Igi – A Árvore da Vida, mo Teatro Planetário da Gávea. A parceria com a Corbelino Cultural foi fundamental para que a Muito Franca desse um grande salto de qualidade técnica e artística. É possível notar claramente um grande apuro estético e visual em todo o trabalho apresentado, desde a programação gráfica até os elementos que compõe o espetáculo. Isto sem perder as suas características de apresentar temas reflexivos, tabus ou pouco usuais para o universo infantil: em seu último trabalho, o grupo explorou o tema da diversidade sexual, e agora opta por abordar o tema da morte/perda e a afirmação da vida. O processo criativo da companhia, que mantém uma concepção artesanal, construída por uma equipe que está junta há anos, imprime uma marca na concepção visual de cenários, figurinos e adereços.
Igi – A Árvore da Vida conta a história de Olhos Inocentes, um jovem rapaz que, para recuperar a saúde e felicidade de sua mãe, Coração de Amor, é aconselhado pelo adivinho da aldeia a encontrar a “folha da vida” que habitava o ponto mais alto da copa da árvore mais antiga da aldeia: o baobá. Nessa viagem, Olhos Inocentes encontra alguns amigos e vários obstáculos, conseguindo sempre superá-los através da inteligência e dos bons sentimentos. Ao fim da viagem, ele não encontra exatamente o que esperava, mas algo muito mais valioso, que transforma completamente os rumos de sua vida.
A dramaturgia de Bruno Bacelar é baseada em histórias ancestrais e lendas africanas, a partir de pesquisas em torno da mitologia do continente na cultura popular. O texto é rico e instrutivo, embora um pequeno excessivo em se tratando de informações didáticas para a encenação teatral. A montagem para salas de espetáculos – fora da esfera escolar – mereceria uma carpintaria cênica mais enxuta, em detrimento de uma fluência rítmica maior, ainda que isso não tire o mérito do texto. O uso da música ao vivo com atabaques, violão e chocalho encanta e colabora com a viagem para um mundo distante e rico em cultura.
A cenografia de Gabriel Naegele é surpreendente, criativa e funcional, e o figurino de Leonam Thurler se harmoniza muito bem na paleta de cores do espetáculo. A preparação vocal de Jorge Maya é um dos pontos altos da peça, em que os atores cantam com competência e servindo com delicadeza ao conjunto harmônico. A direção de preparação corporal de André Masseno parece esbarrar na limitação dos atores, em que há maior dificuldade em visualizar a precisão de movimentos. Os bonecos de Leonam Thurler e Gabriel Naegele servem bem ao universo no qual habitam: seres da mata e das águas. As músicas de Bruno Bacelar e os arranjos de Marcos Aureh são bem apropriados para o tema. A iluminação de Marcio Leandro é correta e apresenta a projeção de árvores na cortina, e o uso de um pequeno espaço para o teatro de sombras. O elenco tem uma atuação segura, sendo o grande destaque do delicado trabalho de composição e de canto de Gabriel Naegele como o menino Ojuai.