Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 26.04.1994
Uma volta à estética dos anos 70
No auge da repressão política, a necessidade de ser simbólico sempre foi consequência atribuída ao olhar atento do censor. O público, muito mais do que os autores, desenvolvia teorias fantásticas sobre “o que o diretor queria dizer quando…” No cinema, cenas na maioria das vezes casuais geravam polêmicas, discutidas a exaustão nos bares e nas areias da praia da moda. Quando finalmente a figura do censor foi definitivamente tirada de cartaz, esperava-se que o diretor e o autor, que antes queriam dizer, dissessem mesmo. Mas a expectativa foi maior que o resultado.
Cartão de Embarque, com texto de Daniel Herz e Bruno Levinson, e direção do próprio Herz e de Susanna Kruger, é uma viagem no tempo, um retorno à estética teatral dos anos 70, representada por atores da novíssima geração, que pegaram, digamos, o espírito da época de maneira surpreendente. Abordando o tema da violência urbana, da liberdade de expressão, do estrangulamento do campo de trabalho e da busca da realização dos sonhos em outras terras, como no velho slogan “o último a sair apaga a luz do aeroporto”, que por sinal está se confirmando, o texto, a princípio feito de encomenda para a o jovem grupo que o representa, acaba reunindo situações de densidade dramática insustentáveis pela jovialidade do elenco.
Vinícius, um repórter idealista, é demitido porque está pegando pesado em suas matérias sobre a violência urbana, e a direção do jornal não quer se envolver a esse ponto, priorizando amenidades. Em geral. Em busca de outro emprego, e tendo que resolver seus problemas com as mulheres (a namorada, a ex, a chefe de redação e uma misteriosa francesa), Vinícius se vê às voltas com um assassinato, no qual o principal suspeito é ele mesmo. De repórter a notícia, “a melhor saída é o aeroporto”.
Daniel Herz, Susanna Kruger e a Companhia dos Atores de Laura, juntos desde o curso de formação que resultou na montagem de A Entrevista, dão ao espetáculo um tom íntimo construindo cenas que poderiam ter nascido de exercícios de aula. A rodriguiana redação do jornal, ainda com suas máquinas de escrever, se assemelha muito a de Beijo no Asfalto. Algumas cenas de ação e repetição lembram as dos espetáculos de Antunes Filho. Finalmente, a criação de seres envoltos em jornais, só vistos pelo personagem principal, e que acabam interferindo nos seus atos, é um daqueles velhos casos de “o que o diretor queria dizer quando…”
Apesar das contradições, o espetáculo tem como grande trunfo a seriedade de todos os envolvidos em sua realização. Sem gestos ou intenções desperdiçados, se entregam por inteiro a mais esta aventura teatral. Até certo ponto, saem vitoriosos. Qualquer outra observação é questão de gosto. E este não se discute.
Cartão De Embarque está em cartaz no Teatro Ipanema, as terças e quartas-feiras, às 21h. Ingressos a CR$ 4.000.
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