Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 28.08.1999
A história da pátria contada com graça
A comemoração dos 500 anos do Brasil tem chegado ao palco do teatro infantil de maneira bastante divertida. O teatro de evento, que, na maioria das vezes gera peças bastante equivocadas – um bom exemplo disso foi o surto de espetáculos “ecológicos” a reboque da Eco-92 -, agora chega à cena em caráter oportuno e não oportunista, como era de se esperar.
Terra à Vista, em cartaz no Teatro dos Quatro, é um desses espetáculos que surpreendem a plateia, não pelo ineditismo do tema, mas pela maneira como abordam essa estranha, desconhecida e muito pouco cultuada história do Brasil. No caso do espetáculo, a salvação vem pelo humor. Não o humor sofisticado para pequenas plateias nem o humor popularesco, mas o melhor das comédias populares, com seus tipos quase caricatos. Enfim, algo muito próximo da plateia que o vê.
O grupo Teatro Luz e Cena, do Rio Grande do Sul, formado por contadores de histórias, que são também ótimos atores, e esses sem dúvida são os melhores contadores, está no palco com força total para levar essa história do descobrimento até a Independência em cenas ágeis e de bastante conteúdo.
O texto de Marcelo Aquino, também diretor do espetáculo, começa com a caravela de Cabral chegando ao Monte Pascoal, que também poderia ter sido chamado de Monte Coelhinho da Páscoa. Essas e outras brincadeiras com nomes e acontecimentos da terra recém-descoberta vão levando a história por mais de uma hora no palco. Mesmo ultrapassando o tempo convencional das peças infantis, esta deixa um gostinho de “quero mais”. Uma raridade nos tempos atuais.
Aquino arma seu espetáculo com cenas sempre cheias de humor inusitado. Os índios aqui levam vantagem sobre os colonizadores, D. João VI não é o bonachão de sempre e Carlota Joaquina, a linda princesa dos contos de fadas, é uma senhora de maus bofes. Para brincar tanto com a história, é preciso conhecê-la. No espetáculo, a pesquisa bem feita não chega antes da encenação. Vai se aprendendo ao mesmo tempo em que se diverte. Uma ótima estratégia para levar a história do Brasil ao grande público, sem o tom de teatro escola, quase sempre um poderoso sonífero.
O elenco, afinadíssimo com a encenação está em cena acompanhado de música ao vivo. Num trabalho de conjunto muito bem feito, Elisa Machado é a hilariante Índia que se recusa a aprender o português. Marcelo Gatelli, o frei Henrique de Coimbra a dar nomes à nova terra. Antônio Lima, o atrapalhado Cabral, Rogério Belda, o Feitor, e Patrícia Borba, a horrível Carlota Joaquina, entre outros personagens, coringados pelo elenco.
Terra à Vista é um espetáculo que dispensa o apelo visual e centra suas forças no texto e no trabalho de ator. Contornando cenários tão simples e figurinos na mesma linha, o clima de passagem é todo dado pela excelente iluminação de Aurélio de Simoni. A história vai se contando na gargalhada da plateia. Tudo indica que voltou à moda o prazer de ir ao teatro.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)