Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 06.11.1999
No alto da criatividade
No ano de 1999, quando quase tudo naufragou, o teatro musical brasileiro parece ser o único evento em alta no mercado; O Garoto Noel lota o Teatro da Light, Dolores vai para Broadway e Pum – Uma Opereta Romântica desponta como um dos mais cativantes espetáculos da temporada.
Escrito por Arthur Azevedo em 1894, o texto chega ao palco do Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, com cortes e recortes na adaptação, feita por Ronaldo Tasso e Helena Delamare, autores que sabiamente ficaram com o melhor da história: a comédia como de costumes e as canções originais, que se encaixam na trama com perfeição.
Tendo como pano de fundo a Revolta da Armada, comandada por Custódio de Melo, o texto tem como trama central a vida dos moradores do Morro do castelo, cujos destinos são mudados pelo tiro de canhão do navio Aquidaban, que explode na hora certa e impede que Lainha, que ama Cazuza, se case com o pretendente errado, o seu Joaquim da venda, que é apaixonado por Mônica, que também, ama o português.
Acertado o quarteto, tem ainda Gilda, uma falsa diva de ópera italiana, seu marido, o Barbalho, um galã de primeira, e o casal Anacleto e Engrácia, loucos para casarem a filha com um bom partido. Tem também o vigário, o caixeiro e um coroinha assanhado e fofoqueiro. Todos tipos enxutos de uma boa comédia de equívocos.
A direção de Ronaldo de Tasso cuida tão bem do espetáculo quanto das performances individuais. Ensaiado à exaustão, o espetáculo não perde o ritmo nem nas pequenas cenas de passagem. No começo, quando a música se insinua mais do que o texto, Tasso introduz o espectador na trama suavemente. É o momento de conhecer os personagens, e estes se apresentam com gestual marcado milimetricamente. Conquistada a plateia, a comédia corre solta em cenas bem interligadas que prendem a atenção da plateia do início ao fim. Não tem descanso.
Para que tudo funcionasse, Tasso cercou a encenação de elementos poderosos. Os cenários de Sérgio Marimba tomam todo o espaço e se montam e desmontam, mostrando a casa de lainha, o interior de uma igreja e a vila destruída. Feitos com armações de arame, em linha pouco realista, retratam todos os ambientes com perfeição. A iluminação de Paulo Cezar Medeiros cria excelentes contornos para ambientes menores e explode em azul para cenas mais amplas. Um acerto e tanto da dupla.
Os figurinos de Pedro Sayad brincam na linha farsesca das cores e abusam no romântico para as mocinhas. Por fim, os arranjos musicais de Ubirajara Cabral caem muito bem nas coreografias de impacto de Dani Lima. Tudo no auge da criatividade. E nessa linha criativa o elenco está imbatível. Entre eles, Claudia Ventura marca os gestos de Lainha no melhor da alta comédia. Felipe Rocha é o galã errado que dá certíssimo. Lúcio Mauro Filho tira humor em performance inusitada. Beth Lamas canta e representa com a mesma afinação e Marcello Caridade rouba a cena em pequenas interferências. Todos se divertem e a plateia mais ainda.
Pum – Uma Opereta Romântica é um espetáculo afiado nos mínimos detalhes que conquistou crianças e adultos na mesma medida. Nessa difícil tarefa de ampliar a faixa, sem prejudicar o público alvo, o Pum é um estouro, como se dizia quase na época de Arthur Azevedo.
(Cotação: 4 estrelas)